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'O usuário hoje está desprotegido na rede'

'Rede Livre' quer agrupar possíveis casos de censura na rede referentes a protestos; insegurança expõe lacuna legislativa

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Por Anna Carolina Papp
Atualização:

‘Rede Livre’ quer agrupar possíveis casos de censura na rede referentes às manifestações; insegurança expõe lacuna legislativa

SÃO PAULO – Após o início da onda de protestos que tomou as ruas do País, começaram a pipocar pela rede reclamações a respeito de posts no Facebook removidos, páginas fora do ar, falha de sinal no celular e até mesmo problemas com energia elétrica.

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 Foto: Estadão

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Com o objetivo de agregar essas denúncias e mapear possíveis casos de censura, pesquisadores do Centro de Tecnologia e Sociedade, da FGV-Rio, criaram o projeto Rede Livre. Com uma página no Facebook, o grupo convoca usuários a “denunciar ataques à liberdade de expressão na internet”, a fim de monitorar e acompanhar esses eventos e, conforme o cenário, tomar providências.

“Em momentos de tensão social, há muito insegurança sobre a liberdade de expressão; fica todo mundo com a pulga atrás da orelha”, diz Ronaldo Lemos, um dos fundadores. ”Como é impossível saber o que está acontecendo a não ser que você seja o governo ou a própria empresa de comunicações, o único modo é coletar os dados de forma agregada do lado do consumidor.”

Ele explica que o Rede Livre surgiu inspirado em dois sites norte-americanos: o Herdict,que mostra se um site está online ou foi derrubado, e o Chilling Effects, que monitora remoção de conteúdos online. Com a página, o grupo quer agregar todos esses casos em um só lugar para que jornalistas e advogados que trabalham na área de liberdade de expressão possam monitorar a questão com mais facilidade.

“O objetivo é pegar denuncias sobre qualquer ataque à liberdade de expressão e fazer uma espécie de mapeamento desses eventos. Assim, se o número de denúncias sobre um determinado tipo de conduta se tornar elevado, há indícios de aquilo de fato é importante e merece atenção”, diz.

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Desde que a página foi criada, vem recebendo uma série de denúncias, principalmente de conteúdo removido no Facebook. Outro problema muito levantado foi a queda da rede de celular em protestos – que, apesar de poder ser apenas excesso de tráfego, deve ser relatado, diz Lemos. “É importante mapear isso também, até para a gente entender a capacidade das redes nesse tipo de aglomeração”, diz.

Para o pesquisador, a liberdade de expressão precisa de outras redes para funcionar que não apenas a internet, como a rede elétrica. Ele cita que, recentemente, houve cortes de energia no Rio de Janeiro, inclusive no prédio da Universidade Federal do Rio de Janeiro , o que alarmou muita gente. “É emblemático; corte de energia num prédio público impede que as pessoas tenham acesso à rede”, diz.

 Foto:

Marco Civil. Para Lemos, um clima de desconfiança quanto a possíveis mecanismos de vigilância em tempos de tensão social é algo comum, uma vez que discursos políticos se espalham por todas as plataformas.

Na semana passada, reportagem do Estado revelou que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), por não ter antecipado protestos organizados pelas redes sociais, montara às pressas uma operação para monitorar a internet a fim de acompanhar manifestantes, incluindo serviços como Facebook, Twitter, Instagram e até o WhatsApp – o que gerou questionamentos, uma vez que muitos consideram a vigilância sobre o aplicativo de mensagens análoga ao grampo telefônico.

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O usuário comum, diz Lemos, fica de mãos atadas, pois não tem como distinguir excesso de tráfego e outros problemas técnicos de vigilância ou censura. “O usuário está desprotegido, pois não tem nenhuma lei hoje que o proteja no Brasil. O País não tem nenhuma lei de privacidade e nem o Marco Civil para garantir direitos fundamentais na rede. É uma situação muito delicada”, diz.

O Marco Civil da Internet, projeto de lei elaborado há três anos a fim para estabelecer diretrizes para o uso da rede e garantias fundamentais ao usuário, segue parado no Congresso. “O Marco Civil ajudaria muito em casos assim, pois ele estabelece um princípio muito claro de que a internet jamais pode ser cortada. A internet é uma rede essencial para o exercício da cidadania”, diz.

“Nada justifica qualquer corte ou manipulação da forma como a rede funciona, inclusive pelo princípio de neutralidade de rede”, explica Lemos referindo-se ao ponto que atualmente é o principal entrave para a votação do projeto no Congresso. “Todos os conteúdos devem ser tratados de forma equivalente. O conteúdo de uma manifestação não pode ser discriminado em relação a outros conteúdos”, explica.

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Olho lá fora. Para ele, momentos como este que vivemos podem ser uma boa oportunidade para retomar o debate e pressionar a votação. “Todas essas manifestações se originaram da internet, e a internet é um dos lugares mais vulneráveis hoje no Brasil, justamente por causa dessa absoluta falta de legislação – o que leva o País a figurar no topo dos países que mais retiram conteúdo do ar”, diz.

Lemos ressalta ainda a necessidade de atenção mediante remoção de conteúdo e problemas com a rede com base na experiência internacional em momentos de conflito. “Em manifestações de países como Turquia, Egito e Tunísia, houve, em alguma medida, ataques à rede”, diz. “Isso aconteceu até em países democráticos, como nos protestos de Londres, em que o governo interveio na rede de celulares e chegou a bloquear o uso de SMS”, exemplifica.

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“O Rede Livre foi criado também com base nessa experiência internacional, de que a rede acaba sendo manipulada ou atacada nesses momentos. Queremos prevenir que isso aconteça e, se acontecer, queremos ter um registro muito claro e objetivo”, diz.

Resposta. Nesta quinta-feira, 27, o Facebook divulgou uma nota afirmando que não utiliza sistemas automatizados para a remoção de conteúdo de discursos políticos e diz que a “esmagadora maioria” das denúncias é analisada manualmente.

De acordo com a empresa, o excesso de denúncias de usuários a respeito de um determinado conteúdo não é um critério para sua exclusão. Quando algo é reportado, fica a cargo dos revisores decidir se o material viola ou não os termos de uso da rede social. “Utilizamos sistemas automatizados apenas para um número muito limitado de casos, como, por exemplo, spam”, diz o texto.

“Muitas vezes precisamos balancear a possibilidade dos nossos usuários se expressarem e compartilharem informações, ao mesmo tempo em que possamos garantir um ambiente seguro para todas as pessoas que usam o nosso serviço”, diz o comunicado.

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