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Jornalista, escritor e palestrante. Escreve às quintas

Opinião|O Vale do Silício e a pandemia

Região tem muitos defeitos, incluindo o de estar descolado da realidade, mas como sabem resolver problemas

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Equipe faz limpeza na área de San José, Califórnia, conhecida como 'Selva', onde viviam 350 sem-teto Foto: Jim Wilson/NYT

As aparições de Andrew Cuomo, governador de Nova York, têm ganhado algum destaque na imprensa brasileira — e na do resto do mundo. É, afinal, um contraste importante em relação ao presidente americano Donald Trump. Mas, lá, Cuomo não é o único chamando atenção no combate ao novo coronavírus. Na verdade, existe um que por lá já chamava desde antes. É Gavin Newsom, 52, governador da Califórnia. E esta é uma história que tem tudo a ver com o Vale do Silício.

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Tem a ver de muitas maneiras. A primeira é que Newsom surgiu para a política americana quando foi prefeito de San Francisco — The City, como é apelidada, capital informal do Vale. É à beira da baía de San Francisco que se espalham as grandes empresas de tecnologia locais. Newsom comandou a cidade entre 2004 e 2011, foi o prefeito mais jovem eleito em décadas. Quando assumiu, o Vale tinha acabado de atravessar o período duro da bolha das ponto-com e o Google começava a explodir. Era prefeito quando o Facebook se mudou para lá, quando o Twitter nasceu, quando Steve Jobs lançou o iPhone, o iPad, e quando morreu. 

Estar ali naquela posição e ser jovem para interagir com desenvoltura entre a comunidade de desenvolvedores o catapultou para a política regional. Desde então, foi vice-governador até eleger-se para o comando do Estado em que vivem um terço dos americanos. Não é pouco. Fora uma país independente, a Califórnia seria a quarta maior economia do mundo — com PIB superior à Índia, Reino Unido, França, Itália e, sim, o do Brasil.

Tem a ver com o Vale, também, porque é ali e em Seattle — onde ficam Microsoft e Amazon — que são os marcos zeros da pandemia nos EUA. Claro. O negócio da tecnologia está na ponte aérea constante com a China. E de certa forma esta foi uma sorte. Como a pandemia explodiu primeiro no Condado de Santa Clara — o nome real do Vale —, foram os engenheiros e técnicos de lá que tiveram de enfrentar o problema antes do resto do Ocidente. Em muitos lugares dos EUA, o anticientificismo do neopopulismo reina. Mas não no Vale do Silício, onde também fica uma das melhores escolas de Medicina do país — a de Stanford. Imediatamente veio a recomendação para que escolas fechassem e todos ficassem em casa. Em menos de uma semana, Stanford e as escolas secundárias locais já estavam dando aulas online e foi com rigor que todos seguiram o exemplo.

O Vale agiu primeiro, Newsom só precisou adotar seu exemplo para o resto do estado. E o fez.

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Não é só isso. O Vale tem muitos defeitos, incluindo o de estar descolado da realidade tantos são os bilionários circulando. Mas como sabem resolver problemas. Alguém levanta algo por resolver, de presto gente de áreas diferentes se reúne, debate hipóteses, post-its são colados num quadro branco, e logo se monta um protótipo. É onde o Vale dá seu melhor. Se no resto do mundo já teve gente que sacou como fazer peças de ventiladores artificiais impressas em 3D, no Vale pelo menos um grupo já está distribuindo online os arquivos 3D para imprimir o ventilador inteiro. Para não falar dos inúmeros projetos de aplicação de inteligência artificial para busca da cura. São muitos cérebros reunidos.

A capacidade de a Califórnia controlar a pandemia é tão impressionante que lá é um dos poucos lugares no ocidente onde a curva foi realmente achatada. A ponto de o Estado poder ter emprestado, para Nova York e Nova Jersey, algumas centenas de ventiladores esta semana. Não os impressos — os comprados. Tem uma condição. Quando seu pico chegar, vai pedi-los de volta.

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