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Opinião|O voto eletrônico

Mesmo sendo a mulher de César totalmente honesta, é reassegurante que ela o pareça

Atualização:
A urna eletrônica é uma forma segura de permitir o voto apenas aos habilitados e permitir apenas um voto para cada eleitor Foto: Filipe Araujo/AE

As eleições americanas foram o principal assunto da semana. Lá, além dos votos via correio, que começaram a chegar em fins de setembro, houve o voto presencial em novembro. Um misto de voto presencial e voto com cédulas oficiais recebidas pelo correio. Se a condição da pandemia da covid-19 reforçou a necessidade de opção ao voto presencial, essa mistura de tipos de votação abriu mais espaço a discussões, fundadas ou não, sobre a segurança de todo o processo.

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Há três pré condições para um processo eleitoral seguro: a capacidade de identificar claramente os eleitores habilitados a votar; a unicidade da cédula por eleitor; e a não possibilidade de alteração dos votos depositados. Respeitadas, resta garantir o sigilo do voto e a lisura na apuração do resultado, lembrando que nada é totalmente imune a fraudes, e sempre há o fator humano, elo mais fraco em qualquer processo de segurança.

Em tempos de digitalização, é esperada a pergunta do por quê não migrarmos também o voto para a internet? Há exemplos de países, como a Estônia, que votam pela rede – caso interesse, há uma tese, de Rodrigo Cardoso Silva, recém defendida na PUC-SP sobre isso. 

Mesmo no caso da Estônia, onde a votação pode ser pela internet, boa parte da população ainda prefere o voto presencial, o que indica uma sensação de insegurança sobre o processo. Sem resolver as pré condições acima, é temerário pensar em voto pela Internet.

No Brasil há a urna eletrônica. Sua implementação resolve dois dos quesitos levantados. É uma forma segura de permitir o voto apenas aos habilitados e permitir apenas um voto para cada eleitor. Resta garantir que o voto dado é inalterável e fidedignamente computado. É frágil a alegação de que um exame da programação do sistema supriria essa garantia. Mesmo tendo-se acesso ao código-fonte, a prova de sua total correção é muito difícil. 

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Além disso, um programa correto pode resistir a tentativas externas de fraude, mas isso não o protege de um ataque interno, por quem tenha privilégio de acesso suficiente para alterar pontualmente seu funcionamento. 

Finalmente, e como fica patente nestes tempos de ataques cada vez mais ousados e destrutivos a sistemas de informação, há que se dispor de algum mecanismo independente de verificação e recuperação. Uma das alternativas sólidas seria incluir uma pequena unidade de impressão em cada estação. O voto eletrônico geraria uma cópia em papel que, conferida pelo eleitor, seria imediatamente depositada em urna inviolável. Ficariam preservados o sigilo do voto e a rapidez na obtenção dos resultados da eleição, enquanto, em paralelo, haveria uma amostragem garantidora: sorteadas umas poucas urnas, seria cotejado o resultado eletrônico com a contagem das cédulas nelas contidas.

Um processo auditável deve prever uma segunda forma de se chegar ao resultado, e que independa da primeira. Ter uma única fonte de respostas, por mais sólida que ela pareça, deixa-nos à mercê de problemas imprevisíveis, e não permitirá auditoria.

A comunidade técnica já se manifestou mais de uma vez a respeito deste tema que, por óbvio, não se confunde com uma “volta ao voto em papel”. Ao contrário, trata-se de valorizar o voto eletrônico e sua celeridade, sem abrir mão da possibilidade de uma revisão independente. 

Não se trata de “desconfiar a priori” mas sim de prevenir problemas. Afinal, mesmo sendo a mulher de César totalmente honesta, é reassegurante que ela também pareça honesta...

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Opinião por Demi Getschko
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