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Jornalista, escritor e palestrante. Escreve às quintas

Opinião|Onde está Jack Ma?

Xi Jinping quer lembrar que ninguém, nenhuma empresa, é maior do que ele

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A China calou Jack Ma Foto: Carlos Barria/Reuters

Faz dois meses que Jack Ma não aparece. Não é comum, isto. Ma fala — gosta de falar. E como começou a carreira ainda muito jovem, recém-formado, dando aulas de inglês, ele é um executivo chinês com rara capacidade de circular entre seus pares ocidentais. Porque fala fluente e é desenvolto, tem sempre convites e está por toda parte. Não é exagero. Ele é, inclusive, jurado do reality show Africa’s Business Heroes, que busca talentos em negócios no continente. Quer dizer. Era. Também no programa ele desapareceu repentinamente. Não apareceu nem na finalíssima.

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O brasileiro que por ventura leia esta coluna talvez não tenha ligado o nome à pessoa. Mas se já comprou algo na AliExpress, a loja online chinesa mais popular por estas paragens, foi cliente de Ma. Se a China tem um Steve Jobs, é este executivo de 56 anos, que começou a montar websites em 1995 e cinco anos depois já era milionário. Seu principal negócio é o Grupo Alibaba, que opera no ramo do comércio eletrônico. Mas comparar Ma com Jeff Bezos, da Amazon, é pouco. Porque, na China, Ma é mais do que Bezos.

Estima-se que até metade das transações financeiras no país sejam feitas com a Alipay, uma espécie de PayPal ou MercadoPago ou Pix. Um sistema digital de pagamento. Sim: talvez até metade das transações da segunda maior economia do mundo passem por um sistema controlado por Jack Ma. E isso tem tudo a ver com o porquê de o executivo estar em silêncio.

Para uma coluna como esta, que trata do mundo digital, há um assunto dominante este ano e nos próximos. É o imenso poder das companhias que dominam a tecnologia e como governos começam a encarar a coisa. Este confronto se dá de muitas formas. É no Twitter e no Facebook silenciando o presidente dos EUA. É no governo americano abrindo processos antitruste contra Google e Face. É na Europa construindo um sofisticado, e inovador, arcabouço regulatório. No fim, cada canto do mundo usa as armas que fazem parte da sua cultura política. Pois é: a China calou Jack Ma.

Em outubro, Ma participou de uma conferência em Xangai na qual começou a falar abertamente sobre regulamentação do setor financeiro, criticando a maneira como os ocidentais estavam lidando com a questão. É um empresário. Quer mais espaço – empresários costumam querer menos regulação e mais espaço. Da sua diatribe, emendou olhando para oficiais do Partido Comunista Chinês e os acusou de serem muito conservadores. Afirmou que criavam um clima que inibia a inovação no mercado da China.

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Em novembro, o Grupo Ant iria abrir capital simultaneamente nas bolsas de Xangai e Hong Kong, prometia ser o maior IPO do mundo. Este Grupo Ant é justamente o Ali Pay, que Ma descolou do Alibaba por conta do potencial que o negócio tinha.

Não é que o IPO tenha sido cancelado. Ele simplesmente não ocorreu. E, na véspera de Natal, o governo anunciou o início de um processo antitruste para investigar o Alibaba. O Partido Comunista quer compreender como se dá aquilo que considera uma expansão desordenada de capital em determinadas empresas. Empresas que crescem rápido demais.

Não é trivial ler o comportamento do governo chinês, que não é monolítico. O Grupo Alibaba foi aplaudido em seu pronto auxílio nos momentos iniciais da pandemia, com doações importantes de dinheiro, cérebros e tecnologia. Mas o presidente Xi Jinping quer também lembrar que ninguém, nenhuma empresa, é maior do que ele.

Que nenhuma empresa controlará a economia do país. E se Jack Ma um dia achou que poderia passar um pito nos reguladores, bem, ele não entendeu onde estava.

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