Os conflitos por trás do Marco Civil

Relator explica modificações no texto e defende que mudanças não ameaçam a liberdade de expressão na internet

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Por Tatiana Mello Dias
Atualização:

Relator explica modificações no texto e defende que mudanças não ameaçam a liberdade de expressão na internet

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A votação do Marco Civil da Internet deve acontecer amanhã – se os deputados chegarem a um acordo. O relator do projeto, Alessandro Molon (PT-RJ) sabe que o processo é difícil, mas está confiante – ele passou a semana passada reunido com parlamentares e com o governo para chegar a um consenso sobre o texto.

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Em entrevista ao Link, o deputado defendeu as mudanças nos polêmicos artigos 9 e 15 – que definem a neutralidade de rede e a responsabilização dos provedores:

O que aconteceu na quarta-feira passada, quando a votação foi adiada mais uma vez? Na hora da votação surgiram novas dúvidas, preocupações e resistências dos parlamentares. Como se trata de um tema muito técnico, e com um grande impacto no futuro da internet brasileira, os parlamentares estavam inseguros. Eu me dediquei a explicar os pontos principais e cada um deles. Até terça-feira eu vou trabalhar para superar as dúvidas.

 

Por que as leis que definem os crimes foram votadas antes? Porque os parlamentares tinham dúvidas e resistências em relação ao Marco Civil. Era ali que estavam concentradas as preocupações. Em relação ao que significa a neutralidade de rede, ao acesso aos dados dos usuários, se deveria deixar os provedores de conexão terem acesso aos dados de navegação. Eu demorei um tempo explicando porque não se poderia permitir isso, para garantir a privacidade. São questões que não foram levantadas em relação aos projetos criminais. Eu lamento, eu queria que o Marco Civil fosse aprovado antes, era um pedido meu e havia a concordância da presidência da casa, mas as resistências parlamentares levaram a esse resultado.

Quando foram feitas as últimas modificações no texto? Na terça-feira, mesmo dia da votação, na parte da manhã.

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E por que essas modificações de última hora? Porque houve um pedido da ministra da Cultura, Marta Suplicy, que fazia menção a uma última mudança necessária. Foi um pedido dela para que se explicitasse que o projeto não afetava a disciplina de direitos autorais no País, porque ela gostaria de tratar isso na reforma da Lei de Direitos Autorais, que cabe ao ministério dela, e que ela não tinha, como ministra, desenvolvido esse debate, afinal ela assumiu há pouco tempo.

Mas essa exclusão abre brecha para a instituição do mecanismo de notificação e retirada. Com isso, empresas detentoras de conteúdo podem notificar uma empresa de internet para removerem conteúdo de usuários com o pretexto de pirataria, e sem uma ordem judicial. Eu discordo totalmente que ele abre brecha para notificação e retirada. Porque esse mecanismo não está preciso em nenhuma lei brasileira.

Mas é uma prática que hoje já acontece. Perfeito. Mas o fato de se dizer que o Marco Civil não se aplica não quer dizer, como alguns equivocadamente entenderam, que ele legitime a notificação e retirada. Ele simplesmente diz “essa mudança não se aplica à disciplina de direitos autorais”. Ela permanece regida pela lei brasileira como está hoje, salvo qualquer modificação futura. Isso pode mudar na reforma da Lei de Direitos Autorais, se o Congresso aprovar e a presidência sancionar. Mas isso não institui o mecanismo.

Mas usuários têm conteúdo removido por empresas como o Google sem ordem judicial. O Google recebe a notificação e remove o conteúdo para evitar problemas. O Marco poderia evitar essa prática. Não é que ele proíba a prática. Ele isenta de responsabilidade o provedor. Estamos falando aqui no provedor. Isso é preciso que as pessoas entendam. O artigo 15 não isenta de responsabilidade quem publica o conteúdo, quem posta, o terceiro. Isenta o provedor, exceto no caso de descumprimento de uma ordem judicial de remoção. Isso é uma regra que afeta apenas os provedores de serviços que disponibilizam suas plataformas para terceiros postarem conteúdo. Durante todo o processo deixamos claro que o projeto não trataria de direitos autorais. O Marco não é o lugar para esse tipo de debate.

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Mas houve muita pressão para que ele tratasse do assunto. Durante todo o processo os mais diversos lados queriam tratar desta questão. E nós insistimos que o Marco não é o lugar. O inciso 2 do artigo 15 explicita a posição. O Marco trata de liberdade de expressão, do funcionamento da rede, e não muda os direitos autorais. No artigo 15 criamos uma regra para garantir a liberdade de expressão. Era esse o intuito. Mas a ministra achou que isso estava gerando uma repercussão desnecessária, e ela temia que isso estava gerando uma preocupação desnecessária e que isso pudesse ter uma repercussão negativa no campo de direitos autorais, e pediu que se explicitasse isso. E o pedido foi atendido.

Mas o que mais atrapalhou a votação foi a neutralidade, não? Sim. Na terça-feira (dia 6) à noite, depois das votação dos royalities, eu tive uma reunião com o governo para fechar a redação do artigo 9, que estava dando problema. O governo queria que o Comitê Gestor de Internet no Brasil não fosse mencionado. E que se fizesse uma mudança, com a previsão do decreto, porque não fazia sentido exigir que a regulamentação das exceções técnicas fossem feitas pela presidência da República. Ficou acertado que a regulamentação caberia ao poder executivo, mas à administração direta, não à Anatel. E no dia seguinte eu fui surpreendido com uma declaração do Ministério das Comunicações de que a regulação caberia à Anatel. Percebendo que os termos de acordo não ficaram claros, achei mais prudente voltar ao meu texto original, recolocando que a neutralidade seria regulamentada por decreto da presidência. Na conversa com os parlamentares, percebi que a maioria deles se sente mais segura com o decreto.

Qual é a chance do projeto ser aprovado amanhã? Eu acho que a chance é grande. Eu me dispus a receber dos parlamentares todas as dúvidas, sugestões e emendas antes de terça. Já sanei um monte de dúvidas até quarta-feira à noite, e eu acredito que a gente tem uma possibilidade enorme de aprovar o Marco amanhã. Mas é preciso do apoio da sociedade, dos ativistas, dos acadêmicos. Não é uma tarefa fácil, tem muitos interesses econômicos envolvidos e contrariados, e isso torna a aprovação do projeto muito difícil. Mas a possibilidade é grande, pelo trabalho de convencimento que fizemos, onde enfrentamos os mais resistentes e inseguros com o tema. Porque, como são muitos temas técnicos, muita gente não entende o que está sendo dito, o que é compreensível. Não é uma matéria simples.

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Há chances do texto ser modificado novamente? Eu suponho que não haja necessidade. Não percebo até o momento a necessidade de mudança. Pode ser que chegue uma proposta que valha a pena ser incorporada, porque os deputados podem apresentar emendas na hora da votação. Eles estão encaminhando para mim, mas pode apresentar no dia e na hora. Eu vou tentar antecipar isso, para eu analisar antes, mas se não der, analiso e aprecio no dia. Então até o último momento é possível ter mudanças. Até porque alguém pode apresentar uma mudança no dia, na hora da votação, e ela pode aprimorar o projeto. Mas nesse momento eu não vejo essa necessidade.

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