PUBLICIDADE

EXCLUSIVO PARA ASSINANTES
Foto do(a) coluna

Por dentro da rede

Opinião|Os riscos à internet na briga entre gigantes de tecnologia e empresas de jornalismo

A caracterização do papel das plataformas na intercomunicação há tempos deixou de ser simples e clara

Atualização:
A clara necessidade de equacionar e conter o crescente poderio dos gigantes da tecnologia não pode redundar em danos maiores ao ecossistema de abertura e liberdade que a internet provê Foto: Creative Commons

Há uma queda de braço em andamento entre gigantes da tecnologia que operam as plataformas dominantes na internet e governos de alguns países. No caso da Austrália, por exemplo, uma recente lei obriga as plataformas a remunerar empresas de informação quando do compartilhamento de links. As consequências para a internet podem ser bem ruins. É mais uma polêmica permeada por definições escorregadias e jogo não claro das partes, que não hesitam em travestir seus próprios objetivos em algo que pareça vir ao encontro do interesse público. Assim, tanto a linha de corte do que seria eticamente adequado como o real perde-ganha dos envolvidos tornam-se muito difusos.

PUBLICIDADE

A caracterização do papel das plataformas na intercomunicação há tempos deixou de ser simples e clara. A função inicial que elas assumiram foi de “vasos comunicantes” entre usuários interessados em trocar opiniões e base para a criação de comunidades sobre tópicos ou interesses. No papel de um intermediário simples não há muita polêmica. O telefone, por exemplo, cumpre essa função, limitada normalmente a dois interlocutores simultâneos: se alguém me ofende ao telefone, ou me faz alguma oferta de produto ilegal, não imaginaria tornar a companhia telefônica ré do eventual delito. Vale também para o correio. Para dar um exemplo, havia “torneios de xadrez por correspondência” em que os jogos eram travados por troca de cartas. É natural concluir que esses facilitadores da comunicação e da associação não tinham, a priori, nenhuma responsabilidade pelo conteúdo. Vale aqui o “não mate o mensageiro”. Já na ação atual, as plataformas ultrapassam em vários aspectos a função de intermediário. No xadrez por correspondência, o correio não tirava conclusões sobre a qualidade ou os interesses dos jogadores. As novas plataforma não só levantam o perfil do usuário, como podem até sugerir jogadas.

O tema da Austrália é movido especialmente pelo fato de que há muito dinheiro de propaganda fluindo para as plataformas, enquanto secam recursos para atividades jornalísticas. Surgiu assim a ideia da lei que obriga repasse de recursos, especificamente, à indústria da informação. Os links de notícias que circulam pelas plataformas poderiam gerar um pagamento a ser ajustado com o gerador da notícia. Há diversos textos na rede mostrando como isso ataca, não apenas o conceito de hipertexto – onde o link tem a única função de ser um “apontador”, e não carrega conteúdo em si – mas a própria abertura na internet. No limite, se alguém mandar a um amigo uma referência de notícia, o remetente poderia estar sujeito a pagar algo. Tim Berners-Lee, o criador da web, já havia definido que a mera existência de um link de hipertexto não carrega em si, nem conteúdo, nem valor autoral.

O jogo de negaças mútuas se expande. Se, por um lado, as empresas de tecnologia tentam usar o trunfo de “intermediário neutro”, por outro, ao alegar que conseguem “moderar conteúdos” para o bem público geral, assumem um papel eventualmente editorial. Se parece clara a necessidade de um nivelamento do campo de jogo e das forças de mercado, não parece razoável um governo interferir nas relações entre dois tipos de negócio – o risco subjacente é de fazer mal à internet. A clara necessidade de equacionar e conter o crescente poderio dos gigantes da tecnologia não pode redundar em danos maiores ao ecossistema de abertura e liberdade que a internet provê. Num aforismo em “Para Além do Bem e do Mal”, Nietzsche diz: “ao lutar contra os monstros, acautela-te para que não te transformes também em monstro”. *É ENGENHEIRO-ELETRICISTA 

Opinião por Demi Getschko
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.