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Por dentro da rede

Opinião|Pandemias e pandemônios

O jeito é redobrar a cautela no uso de ferramentas, sem cair num eventual pandemônio

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Atualização:

Estamos acompanhando, tensos, a evolução da atual pandemia Covid-19. E torcemos para que arrefeça logo. Os mais otimistas (entre os quais me incluo) notam uma certa inflexão na curva dos números internacionais disponíveis, mas resta bastante incerteza sobre eventuais ressurgimentos (Libera nos!). O jeito é manter o isolamento e todas as demais medidas profiláticas propostas. É sempre melhor prevenir!

Com isso, estamos todos experimentando uma nova realidade, cuja permanência ou não, também é motivo de intenso debate. Passada a Covid-19 as coisas voltarão a ser como dantes, ou é um mundo bem diferente que nos espera? Confirmando que a necessidade é a mãe das invenções, a Internet nos proveu de meios para tornar esta travessia mais suave. O que antes era uma eventualidade ocasional – participar de reuniões virtuais no âmbito profissional – agora é nosso dia a dia para tudo. Aniversários em família são comemorados olhando a tela do computador, exibem-se copos de vinho e sorrisos, enquanto um “parabéns a você” sincronizado pede a alguém que apague velinhas – essas ainda na forma tradicional…

Pan também é o nome do deus grego do selvagem, à esquerda nesta pintura de Rubens Foto: Wikimedia Commons

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Pandemia é uma palavra com semântica interessante, com “pan”, raiz grega que significa “todos” ou “na íntegra”, e “demos”, nossa velha conhecida para “povo”. É, portanto, algo que se refere a todos nós, indistintamente. E o que uma onda pandêmica arrisca produzir poderia ser um “pandemônio”, também com a raiz “pan”. Se pandemônio originalmente identificava a reunião de “todos os demônios” hoje, por extensão, pode ser sinônimo de balbúrdia, de confusão. E aparentemente é o que está ocorrendo, de várias maneiras e em diferentes contextos. 

Ferramentas projetadas para casos específicos ganharam enorme projeção e uso. Os riscos de segurança de nossas informações aumentaram muito, agora que seu tráfego é feito exclusivamente pela Internet ampla, e surgem falsos dilemas como, por exemplo, se deveríamos abrir mão de nossa privacidade para que o sistema nos informe sobre a proximidade de alguém contaminado. 

Também cresceu o número de notícias verdadeiras (ou exageradas?) de perigos nas novas ferramentas. Claro que a pressão inesperada de uso pode levar a que se descubram fragilidades, ou comportamentos abusivos, mas também é natural que a guerra comercial tenda a amplificar esse tipo de notícias. Lembra-me uma frase que oAleksandar Mandic, do início da rede comercial brasileira, usa sempre: “o prego que se destaca é o que merece ser martelado”. 

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O jeito é redobrar a cautela no uso de ferramentas às quais não estávamos muito acostumados, mas sem cair num eventual pandemônio, nem permutar nossa privacidade por “informações de segurança” em tempos de pandemia. Mesmo que isolamento exacerbe a característica egocêntrica do nosso tempo: afinal, queremos (e devemos) contribuir para que a peste não se alastre mas, por outro lado, precisamos que alguém mantenha nosso fornecimento de energia elétrica, que pessoas zelem por nossa segurança e que alguém nos venda legumes, sem falar do trabalho exposto e abnegado dos que exercem tarefas críticas como os enfermeiros e médicos. E prezamos pela nossa privacidade.

Acompanho esperançosamente os números da Covid-19 e reconheço a imensa utilidade das estatísticas em prever evoluções. Mas a pletora de previsões que nos é oferecida deve ser lida “com um grão de sal”. Atribui-se a Mark Twain um dito espirituoso de há mais de 100 anos: “há três tipos de mentiras: as simples mentiras, as mentiras deslavadas, e... as estatísticas”.

Opinião por Demi Getschko
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