Para enxergar o invisível

Apoiado no esforço colaborativo, artista busca chamar atenção para dados pouco importantes ao traduzi-los em imagens

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Por Murilo Roncolato
Atualização:

Imagine que uma banda faça um clipe, na internet, em que tudo se passa em sua cidade-natal. São várias câmeras simultâneas e você pode desenhar ou escrever qualquer coisa em uma das várias telas durante a música.

Para quem nunca viu esse é o vídeo da a música “We Used To Wait”, da banda canadense Arcade Fire, sobre a qual uma equipe criou o projeto Wilderness Downtown, site que usou a quinta e última atualização da linguagem HTML para fazer algo diferente.

 

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A exploração de novas maneiras de mostrar conteúdo (vídeo, foto, texto) e o envolvimento do maior número de pessoas em um trabalho artístico são as duas coisas que movem o trabalho de Aaron Koblin. Ele participou da criação do vídeo do Arcade Fire e é funcionário do Google no laboratório de criatividade, na Califórnia, além de ser artista e apostar na tecnologia como nova plataforma de expressão.

Em seus trabalhos, Koblin procura a harmonia entre música, design e tecnologia. Ainda na área musical, ele que fez o vídeo da música “House of Cards” da banda inglesa Radiohead. Nele, todas imagens são reproduções 3D criadas a partir de dados obtidos por sensores laser.

O artista vem ao Brasil em novembro dar uma palestra no TEDx Amazônia, encontro que acontecerá em 6 e 7 do próximo mês e reunirá pessoas de todo o mundo e de diferentes áreas para compartilhar suas boas ideias. Nesta edição, a proposta é debater “qualidade de vida”. A intenção de Koblin é dar exemplos de como a tecnologia pode melhorar a vida das pessoas e “a nossa experiência na Terra”.

Ele acredita que através das várias conexões que torna possíveis, “a tecnologia permite enxergar o invisível”. “Com essa visão, poderemos compreender melhor assuntos importantes e nos envolver mais com eles”, disse, em entrevista ao Link. “A tecnologia permite criar ferramentas que ajudam a fazer as perguntas certas e relacioná-las, perguntas e respostas, de formas realmente personalizadas.”

Aaron usa a arte para propor questões sobre as quais ele espera que as pessoas reflitam. Em geral, faz isso de maneira não-explícita. No projeto chamado Flight Patterns, ele reuniu todos os dados de saída e destinos de voos nos Estados Unidos e deu uma cor diferente para cada informação: divididos em altitudes de voo, modelos de avião e fabricantes. O resultado foi uma série de “quadros”, repletos de linhas virtuais.

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O objetivo desse tipo de projeto é fazer que as pessoas exijam de si um pouco mais de criatividade ao transmitir informações. Dados aparentemente inúteis ganham significado quando exibidos de uma maneira agradável. “Mais do que pensar em mais atratividade para os dados, precisamos de métodos mais convincentes e perspicazes de envolvimento com os dados que coletamos”, diz Koblin.

Crowdsourcing. Outro aspecto recorrente dos projetos de Koblin é a demanda pelo trabalho conjunto dos envolvidos, o esforço colaborativo, também chamado de crowdsourcing. Em Bicycle Built for Two Thousand, o artista coletou trechos contendo vozes de 2.088 pessoas de 71 países do mundo que, quando unidas, formavam a canção “Daisy Bell”, do inglês Harry Dacre. O curioso é que cada participante apenas repetiu um barulho que ouvia, sem ter ideia de que aquilo viraria música.

Para realizar esse projeto, Koblin usou um serviço da Amazon chamado Mechanical Turk. Essa ferramenta permite que pessoas sejam pagas por colaborar (US$ 0,06), geralmente sem saber o que será feito com aquilo e sem direito de propriedade sobre sua contribuição. “Coisas incríveis podem ser feitas quando as pessoas estão reunidas. No Bycicle ninguém tinha o conhecimento do todo, mas há outros projetos nos quais as pessoas sabem da etapa final e trabalham juntas para criar algo grande e maior que a soma de seus componentes – como o Wikipedia, talvez”.

O Johnny Cash Project se encaixa nesse último tipo de colaboração. Nele, cada envolvido fazia um desenho que formaria uma sequência com os demais, gerando um videoclipe para a música “Ain’t no Grave”, canção inédita do cantor lançada em álbum póstumo (American VI) no início de 2010.

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Micropagamento. Koblin tem ainda mais dois projetos que seguem aliam crowdsourcing e micropagamentos: o Ten Thousand Cents (US$ 0,1 para cada colaborador) e o The Sheep Market (US$0,02 para cada um).

No primeiro, uma imagem de uma nota de cem dólares é pintada pixel por pixel, sem que o “trabalhador” (como eles chamam o colaboradores) saibam exatamente o que estão criando. No segundo, o usuário recebe para desenhar uma ovelha através do Mechanical Turk; os bichos formarão quadros virtuais que serão vendidos posteriormente.

Aaron Koblin afirma que uma das discussões que espera levantar especificamente com esses trabalhos é a que gira em torno dos direitos autorais e dos sistemas em que o consumidor paga a quantia que quiser, voluntariamente, para obter algum produto (uma música, por exemplo) do autor. Ele considera esse mecanismo “um pouco assustador” e acha que esse tipo de alternativa não leva tanto em consideração o interesse do criador.

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Sobre possíveis mudanças radicais nas leis sobre direitos autorais em um futuro próximo, Koblin prefere se esquivar de responder. “Eu não sei como as coisas vão ser no futuro, mas espero que outras pessoas estejam pensando sobre essas relações e o que elas significam.”

Trabalho de equipe. Quando o assunto é arte, o norte-americano fica mais à vontade para arriscar algumas previsões e, como era de se esperar, acha que, independentemente, das mudanças nas relações e nos hábitos da humanidade daqui para frente, a tecnologia certamente vai estar no meio. “A arte continuará a ser muita coisa para muitas pessoas, mas estou animado para ver como elas usarão a tecnologia para se unir e criar coisas que seriam impossíveis sem um grande trabalho em equipe”.

 

—- Leia mais:‘Link’ no papel

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