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Com a web e os celulares, o mundo dos games foi invadido por jogos simples e triviais que exigem atenção para nos distrair sem parar. Mas por que gostamos tanto destes jogos idiotas?

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Por Redação Link
Atualização:

Com a web e os celulares, o mundo dos games foi invadido por jogos simples e triviais que exigem atenção para nos distrair sem parar. Mas por que gostamos tanto destes jogos idiotas?

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Sam Anderson The New York Time Magazine

Em 1989, enquanto o comunismo ruía no Leste Europeu, poucos meses antes de manifestantes martelarem o Muro de Berlim, a japonesa Nintendo estendeu seus tentáculos até o outro lado do mundo para levar aos Estados Unidos sua própria versão da liberdade. O novo produto era o Game Boy – um tijolo de plástico, que funcionava com pilhas e prometia libertar os adeptos dos games de décadas em calabouços suados, lanchonetes baratas e fliperamas.

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O aparelho vinha com um cartucho: Tetris, um quebra-cabeça simples e viciante cujo objetivo era girar blocos que caíam – de novo e de novo e de novo e de novo – para construir as paredes mais eficientes possíveis. (Bem, o jogador construía paredes e ao mesmo tempo as destruía, se fossem montadas corretamente.)

Era uma simbiose perfeita entre jogo e plataforma. Os gráficos de Tetris eram simples o suficiente para funcionar na pequena tela de tons de cinza do Game Boy; o movimento era lento o bastante para evitar borrões; a mecânica repetitiva e desprovida de história permitia que fosse jogado em qualquer momento e situação sem perder a graça. O par vendeu mais de 70 milhões de unidades e disseminou a liberdade de construir paredes compulsivamente por todos os cafés e filas de banco do país.

Assim nasceu uma tradição que vou chamar de “jogos idiotas” (em parte para descrevê-los e em parte para me vingar de todas as horas que já desperdicei com eles). Nos quase 30 anos desde a invenção do game – e principalmente nos últimos cinco, com a ascensão dos smartphones –, Tetris e seus descendentes colonizaram nossos bolsos e cérebros, alterando todo o modelo econômico da indústria de games. Quer gostemos ou não, hoje vivemos num mundo de jogos idiotas.

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Os especialistas no estudo dos games (existem pessoas assim) gostam de destacar que jogos tendem a refletir as sociedades nas quais são criados e jogados. O Banco Imobiliário faz todo o sentido se encarado como produto dos anos 30 – em plena Grande Depressão, ele permitia que qualquer um brincasse de magnata. O War, dos anos 50, é uma expressão incrivelmente literal da realpolitik da Guerra Fria. O Twister é a tradução da revolução sexual dos anos 60 para um jogo. Um de seus críticos chegou a chamá-lo de “sexo encaixotado”.

Tetris foi inventado exatamente no lugar e no momento esperados – num laboratório de computação soviético em 1984 – e seu funcionamento reflete sua origem. Em Tetris, o inimigo não é um vilão, e sim uma força sem rosto nem motivação nem clemência que constantemente ameaça sobrecarregar o jogador com uma interminável produção de blocos. A única defesa contra eles é uma classificação repetitiva e sem sentido.

Trata-se da burocracia na forma mais pura, uma ocupação sem propósito nem fim, impossível de evitar. E o insulto final do jogo está no fato de ele acabar com o livre arbítrio. Apesar da futilidade óbvia, é quase impossível resistir ao impulso de rotacionar os blocos. Como todos os jogos idiotas que se seguiram, Tetris nos impõe um comportamento que nos castiga.

Em 2009, 25 anos depois da invenção de Tetris, uma empresa finlandesa quase falida chamada Rovio encontrou uma fusão entre jogo e dispositivo tão perfeita quanto a descoberta pela Nintendo: Angry Birds. O game consiste em atirar pássaros irritados contra porcos verdes escondidos em estruturas frágeis. Sua mecânica básica – usar o dedo para puxar um estilingue, de novo e de novo e de novo e de novo – foi o uso perfeito para as telas sensíveis ao toque: simples o bastante para atrair um mercado de jogadores casuais que subitamente se revelou imenso, e também satisfatório o bastante para viciá-los.

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Em questão de meses, Angry Birds se tornou o jogo mais popular do iPhone e depois espalhou-se para todas as demais plataformas. Em suas diferentes formas, o jogo já foi baixado mais de 700 milhões de vezes. Além disso, inspirou um império de merchandising surpreendentemente sólido: filmes, camisetas, pantufas e até playgrounds com a marca Angry Birds, com brinquedos para crianças.

Por meses, um cartaz na oficina mecânica perto da minha casa anunciou: “Caneta Angry Birds grátis”. A mais recente encarnação do jogo, o Angry Birds Space, surgiu há poucas semanas em meio a uma campanha que envolveu Wal-Mart, T-Mobile, National Geographic Books, MTV e Nasa. (O jogo foi anunciado a partir da Estação Espacial Internacional).

Parece que o Angry Birds é o nosso Tetris: espécie de rosário digital ao qual nossa cultura pode recorrer nos momentos de êxtase e ansiedade – sejam econômicos, políticos ou existenciais.

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RESISTI À IDEIA DE COMPRAR UM IPHONE durante um período que me pareceu durar décadas (no tempo da Terra, foram quatro anos), pois temia o poder dos seus jogos. Passei meus anos de formação me tornando fluente – e viciado – nos games dos anos 80 e início dos 90, de Mario Brothers até o Mortal Kombat. Atravessamos juntos minha adolescência.

Mas, antes dos 20 anos, num surto de afirmação pós-adolescente, decidi abrir mão deles para sempre. Reconheci que tinham um poder assustador sobre mim e queria cultivar novas maneiras de gastar o tempo com mais qualidade. Queria investir na Cultura, com cê maiúsculo, e me dediquei aos livros, uma forma de escapismo mais socialmente respeitada. Sabia que, se tivesse acesso a games, os jogaria todos os dias, para sempre. Assim, optei por uma ruptura radical e me tornei mais ou menos contente e produtivo.

E então, no meio da floresta escura da vida adulta, o iPhone foi lançado. Isto me trouxe um problema. O aparelho não era só um celular, uma câmera, um mapa e uma pequena janela para a internet: era também um videogame de bolso, três vezes mais sofisticado do que qualquer aparelho da época em que cresci.

Minha esposa, que nunca foi muito afeita aos jogos, comprou um iPhone e logo se viciou numa espécie de palavras cruzadas digital, o Words With Friends. Em pouco tempo ela já disputava seis ou dez partidas simultaneamente. Às vezes eu perdia a atenção dela no meio de uma conversa: o celular emitia um ruído e ela interrompia o diálogo no meio da frase, afastando o olhar de mim para ver o que seu adversário tinha aprontado.

Tentei manter o bom humor, dizendo que inventaria uma iTábua: uma placa posta atrás do celular que, sempre que ela se distraísse, escreveria mensagens do mundo analógico: “Te amo” ou “Aproveite o momento”.

Inevitavelmente, meu distanciamento não durou muito. Há cerca de um ano, incapaz de resistir à cheia da maré cultural e desejando uma câmera para tirar fotos dos filhos, comprei um iPhone. Durante algum tempo, usei-o apenas para ler, enviar e-mails e tirar fotos. Mas logo baixei um aplicativo para jogar xadrez e ele se revelou a porta de entrada para outros jogos. E o menino de 13 anos que mora dentro de mim reapareceu.

Baixei jogos com nomes horríveis como Bix e MiZoo, que me levaram a outros melhores, que consumiam mais tempo – Orbital, Bejeweled, Anodia – e que me levaram a jogos ainda melhores: Peggle, Little Wings. Uma pequena obra-prima, Plants vs. Zombies, deve ter consumido todo um Anna Karenina do meu tempo, calculo. Um dia, enquanto jogava, minha mulher me lembrou da antiga piada da iTábua, o que me deixou inexplicavelmente furioso.

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E foi assim que os videogames voltaram à minha vida.

Meu mergulho no mundo dos jogos idiotas não foi uma experiência individual: nos últimos anos, milhões de pessoas foram tragadas por este vórtice. Em 2011, o diretor executivo da Rovio disse que os jogadores de Angry Birds passavam 200 milhões de minutos diários brincando com o game – o que parece ser ao mesmo tempo absurdo e plausível. Mas um número como esse não nos diz muito sobre a qualidade destes minutos; quantos deles foram divertidos, recompensadores ou intencionais.

Os humanos sempre jogaram jogos idiotas. O dado é anterior à própria história escrita. Egípcios antigos se divertiam com um jogo de tabuleiro chamado Senet, espécie de gamão sagrado, segundo arqueólogos. Temos o joquempô, o jogo da velha, damas, dominó e paciência. (Poderíamos dizer que o xadrez é o rei deles: o ponto em comum entre a idiotice e a genialidade.)

Mas os jogos anteriores ao Tetris eram diferentes sob um aspecto primordial. Eles exigem adversários humanos ou, no mínimo, um equipamento. E quando nos sentávamos para jogá-los, em geral nossa intenção era sentar para jogá-los.

Os jogos idiotas, por outro lado, raramente são ocasiões em si mesmos. Nós os jogamos incidentalmente, compulsoriamente, quase sem querer. São menos uma atividade do nosso dia e mais um espaço vazio; menos um objetivo e mais uma distração de outros objetivos. Pegamos o celular para olhar a agenda e, de repente, 40 minutos se passaram – e falta apenas uma fase antes do próximo nível, só mais uma vez!

Durante a maior parte dos últimos 25 anos, foi fácil evitar o envolvimento com jogos assim. A indústria dos games funcionava como Hollywood: grandes empresas investiam pesado na produção de títulos “AAA” para consoles (PlayStation, Xbox, GameCube). Como os sucessos dos cinemas, estes jogos costumavam propor buscas, missões e guerras acompanhadas de efeitos especiais bombásticos que os tornavam atraentes para meninos adolescentes.

Graças ao modelo, a renda dos games mais do que dobrou entre 1996 e 2005, e a maioria esmagadora deste dinheiro veio através de um pequeno número de franquias (Halo, World of Warcraft, Call of Duty e Battlefield). Mas havia um problema que fez a indústria de games se tornar alvo das mesmas críticas que os fãs de cinemas faziam a Hollywood.

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Os imensos investimentos de tempo e dinheiro criaram uma cultura conservadora e avessa ao risco. Tudo começou a girar em torno de imitações, subprodutos, sequências, histórias anteriores ou paralelas. Não bastasse o Halo 3, havia também o Halo 3: ODST. Gigantes dos games (Microsoft, Electronic Arts, Rockstar Games) estenderam seu domínio a tal ponto que desenvolvedores independentes, que poderiam trazer novas ideias, não tinham como levar seu trabalho aos consumidores.

Então, em 2007, o iPhone surgiu. Era muito mais fácil distribuir jogos pela loja de aplicativos da Apple. Desenvolvedores independentes subitamente encontraram uma forma de alcançar o público em geral – não apenas jogadores dedicados, mas também suas mães, carteiros e professores universitários. Gente que nunca havia posto uma ficha num fliperama nem visto um Xbox 360 agora carregava consigo um console sofisticado.

O impacto foi enorme. Na era dos consoles, a maioria dos jogos era criada para ganhar vida na televisão ou no PC. Tinham narrativas longas (missões, guerras, a ascensão e a queda de civilizações) que poderiam ser exploradas confortavelmente sentado de pernas cruzadas no tapete da sala.

Games para smartphones são bastante diferentes. A tela do iPhone é do tamanho de uma carta de baralho; ela não responde às sequências de movimentos rápidos como um controle, e, sim, a gestos naturais: cutucar, pinçar, tocar, arrastar. Isto incentivou a criação de outro tipo de jogo: quebra-cabeças semelhantes ao Tetris projetados para serem jogados em qualquer lugar, em qualquer contexto, sem manual, por jogadores com qualquer nível de habilidade.

Poderíamos dizer que estes são jogos puros, que nos levam diretamente ao núcleo do prazer dos games sem a distração de uma narrativa longa. Os criadores do Angry Birds gostam decomparar seu jogo ao Super Mario Brothers. Mas a primeira e mais simples fase do Super Mario Brothers pode ser terminada em aproximadamente um minuto e meio. A primeira fase do Angry Birds pode ser batida em apenas dez segundos.

DE TODOS OS JOGOS IDIOTAS QUE JÁ JOGUEI, tornei-me viciado em apenas um: o Drop7, uma fusão colorida entre Tetris e Sudoku. Como seus ancestrais, o Drop7 é basicamente uma miniatura de estímulo ao distúrbio obsessivo-compulsivo. O computador tenta encher a tela enquanto o jogador tenta mantê-la vazia. Levei alguns dias para decifrar as estratégias elementares do jogo (preste atenção nos discos cinzentos) e algumas semanas para descobrir truques mais avançados (manter o foco nas extremidades da grade) e, em pouco tempo, entrei na zona perigosa.

Jogava quando deveria estar lavando a louça, dando banho nas crianças, conversando com parentes, lendo o jornal e especialmente – principalmente – escrevendo. O jogo tinha se tornado uma espécie de anestésico, um bote salva-vidas, uma rota de fuga, um Xanax, um higienista dental com quem eu podia trocar comentários amenos e sem importância antes de me submeter à broca da Vida.

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Logo percebi que estava me debatendo contra a rede do vício real. Ao apertar “Novo Jogo”, meu cérebro pensava, muito conscientemente, “preciso parar de jogar este game”. Mas não parei. Em vez disso, contaminei outras pessoas com o vírus do Drop7: minha mulher, meus amigos, minha mãe, meus sogros. Flagrei-me jogando em todo tipo de situação extrema: de madrugada, durante uma aguda crise gastrointestinal; imediatamente após uma discussão intensa com minha mãe; logo depois de descobrir que meu cachorro – o afetuoso e emotivo mamífero com quem vivi durante 12 anos – estava morrendo de câncer.

Quis entender como um joguinho conseguiu se infiltrar na essência da minha vida e plantar ali seus ovos num intervalo tão curto. Assim, mandei um e-mail a Frank Lantz, responsável pela ideia do Drop7. Lantz, cofundador de uma empresa chamada Area/Code e o diretor do Centro de Jogos da Universidade de Nova York. De uma maneira mais geral, ele pode ser considerado um dos grandes gênios dos mistérios dos jogos em Nova York. (Certa vez ele supervisionou uma versão física de Pac-Man, pelas ruas de Nova York.)

A empresa dele tinha acabado de ser comprada pela Zynga, uma das gigantes dos jogos idiotas. Meu objetivo era perguntar a ele: qual é o segredo genial dos jogos idiotas? Por que sou tão suscetível a eles? Como foi que o Drop7 conseguiu se apoderar tão completamente do meu cérebro? Mas, primeiro, perguntei se ele poderia me ajudar de outra maneira: se ele conhecia algum jovem gênio do design que estivesse trabalhando o problema dos jogos idiotas – alguém que provavelmente acabaria inventando o próximo Drop7 ou Angry Birds ou Bejeweled, mas que ainda não tivesse sido absorvido por uma grande empresa.

Lantz respondeu com um e-mail que se resumia a um único nome: Zach Gage.

QUANDO ENTREI NO APARTAMENTO DELE, a primeira coisa que Zach Gage fez foi se desculpar pela bagunça. No canto da sala, ele tinha acabado de montar uma velha máquina de fliperama de madeira, com o detalhe de que este tinha um gigantesco monitor de Macintosh e um Mac Mini com mais de 3 mil títulos: desde os superclássicos (Space Invaders, Pac-Man) até metajogos experimentais que Gage e seus amigos haviam inventado.

Gage se referiu ao fliperama como “um pequeno santuário”. Ele disse que o construiu inspirado por uma sensação de profunda nostalgia tecnológica. Gage nasceu em 1985 – um ano depois do Tetris –, o que significa que ele cresceu na era dos consoles.

Gage se perguntava como teria sido o dia de glória dos fliperamas. Sua máquina foi uma tentativa de compreender isso e, ao jogar, ele encontrou inspiração para ideias que me surpreendem para um jovem de 26 anos que construiu sua carreira online.

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“Depois de construi-lo, percebi o quanto detesto a internet”, disse. “Quero dizer, gosto muito da internet e da contribuição que trouxe aos jogos – foi incrível. Mas, os fliperamas faziam coisas realmente inteligentes pelas quais nunca lhes demos crédito. Há uma grande dose de psicologia social naquela estrutura”. O Xbox, explicou, tem poucos títulos para jogar com outras pessoas na mesma sala. “Ninguém mais projeta jogos desta maneira”, disse. “É terrível”.

Gage, em geral, trabalha sozinho e às vezes mergulha em profundas sessões de pesquisa. Em uma delas, quis descobrir por que as pessoas gostam de games de palavras, gênero que sempre detestou. E passou duas semanas jogando Bookworm, Words with Friends e Wurdle, até perceber que o gênero sofria uma grave falta de estratégia. Assim surgiu SpellTower, mais novo jogo de sucesso criado por ele, no qual usuários criam torres, montando palavras. Em dois meses de vendas, ele recebeu o suficiente para pagar as contas por dois anos.

Sua jornada pelos jogos idiotas também começou com o Tetris. Ele observou a namorada jogando-o em seu iPod e reparou no quanto a interface era desajeitada na tela de toque. Ficou horrorizado. E assim criou Unify, espécie de Tetris bidirecional no qual blocos coloridos avançam dos extremos opostos da tela e se encontram no meio. O jogo é viciante e parece determinado a explorar alguma intersecção cerebral entre a capacidade motora e a de acompanhar os objetos.

O jogo foi muito elogiado pela crítica, mas vendeu pouco, embora Gage pareça não se importar. “Meu interesse é simplesmente usar alguma nova tecnologia que ainda não foi explorada. Pelo que sei, o Unify foi a primeiríssima vez em que alguém desenvolveu um quebra-cabeça de blocos em touchscreen.”

Um de seus projetos atuais é uma sátira ao estado atual da indústria dos games. O título provisório é Unify Birds. Funciona exatamente como o Unify, com alguns ajustes: Gage transformou todos os blocos em coloridos pássaros de olhos arregalados. “Mostrei o jogo a pessoas que gostaram do Unify e, depois de jogarem um pouco, me diziam: ‘Esse jogo é demais. É melhor que o outro’. Ficam imaginando quais mudanças que fiz.”

Gage deixou que eu jogasse o Unify Birds. Imediatamente, tive a impressão de se tratar de um jogo muito melhor – na verdade, parecia provável que o jogo venha a se tornar um sucesso.

MARK PINCUS, FUNDADOR E DIRETOR EXECUTIVO DA ZYNGA, disse recentemente que a mecânica dos jogos “será a habilidade mais valiosa na nova economia”. Ele sabe o que fala. Seu jogo FarmVille, que dominou o Facebook em 2009, é um dos jogos idiotas mais bem sucedidos e controvertidos de todos os tempos. É gratuito, mas sugere constantemente aos jogadores que comprem itens especiais e recrutem os amigos.

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Há quem diga que os títulos da Zynga não deveriam nem ser chamados de games. Mas poderíamos dizer que jogos como FarmVille são, na verdade, a conclusão lógica da gamificação – ideia de levar o mecanismo dos games a outras esferas –: games gamificados. Eles têm aparência de games, inspiram compulsões dos games, mas, para muitos, não são divertidos como os games.

O que nos traz de volta ao meu vício no Drop7.

Quando falei com Lantz, criador do Drop7, ele reagiu com humildade. Disse que o Drop7 não parecia ter sido criado por ele, e, sim, descoberto – “um cantinho do universo que as pessoas nunca tinham visitado, que nos antecede e que continuará a existir depois do nosso fim”. Ele não sabe por que o jogo vicia; sabe apenas que vicia.

A melhor explicação dele é que o Drop7 ocuparia um nicho ao mesmo tempo matemático e espiritual: nos mantém num lugar entre a solução consciente de problemas e a intoxicação pura. Algo que, pensando bem, deve ser a principal característica cognitiva de todos os grandes jogos idiotas.

Quando falei sobre meu pesadelo de um mundo fragmentado pelo vício em jogos idiotas, ele me mostrou outra perspectiva. Disse que gosta de pensar que o Drop7 não é apenas viciante, mas também, num certo nível, um game a respeito do vício.

Os games, disse, são “uma pequena droga digital que podemos usar para fazer experimentos nos nossos cérebros”. Para ele, parte do objetivo de deixar-se seduzir é chegar ao fim da experiência como alguém mais interessante e consciente de si; dos próprios hábitos, fraquezas, desejos e forças. “Estes games abrem uma janela para o nosso cérebro que não o esmaga.”

Tentei pensar sobre o que eu já teria aprendido com esta janela para o meu cérebro – se é que tinha aprendido algo. Como seu antepassado espiritual, o Tetris, a maioria dos jogos idiotas envolve paredes: construí-las, escalá-las, derrubá-las. Paredes feitas de números, de tijolos digitais, que abrigam porcos verdes. São versões miniaturizadas de campos de contenção.

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Finalmente, percebi que eles também participam de outra construção, mais sutil e misteriosa: as paredes internas que erguemos para compartimentar nosso tempo, nossa atenção, nossas vidas. Certa vez, o lendário designer de games Sid Meier definiu um jogo como “uma série de escolhas interessantes”. Talvez seja essa a genialidade secreta dos jogos idiotas: nos obrigam a fazer escolhas interessantes a respeito daquilo que importa – a cada momento – nas nossas vidas.

Lantz me disse que o relacionamento mais profundo que ele já teve com um jogo foi o pôquer, que quase o deixou perigosamente viciado. “Era como andar na corda bamba entre algo maravilhoso, cerebral e transcendental que nos dava oportunidade para aperfeiçoarmos a nós mesmos – por meio do estudo e da disciplina, fortalecendo a mente como se fosse um músculo – e, ao mesmo tempo, algo puramente autodestrutivo. Não existe, em inglês, um termo para isto, que descreva algo que faça estas duas coisas ao mesmo tempo.”

Perguntei se poderia haver um termo em outro idioma.

Ele respondeu que não, mas então pensou um pouco mais.

“Acho que um bom termo seria ‘game’”, disse ele. “A palavra certa seria ‘game’.”

/Tradução de Augusto Calil

—-Leia mais:Link no papel – 07/05/2012

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