EXCLUSIVO PARA ASSINANTES
Foto do(a) coluna

Por dentro da rede

Opinião|Precisamos recuperar a possibilidade de acontecimentos fortuitos

Com o uso remoto, a serendipidade diminuiu, pois estamos muito mais enquadrados quando falamos em reunião virtual

PUBLICIDADE

Atualização:
A peste fez que, rapidamente, as comunicações inter-humanos migrassem para formas eletrônicas e remotas Foto: Nilton Fukuda/Estadão

Há ano e meio que nosso ritmo de vida tem sido pautado pela covid-19. Ela não é apenas o tema da maioria dos noticiários e das conversas pessoais, mas também variável que afeta economias e nos ameaça com um futuro ainda mal definido, alcunhado de “novo normal”.

PUBLICIDADE

A peste fez que, rapidamente, as comunicações inter-humanos migrassem para formas eletrônicas e remotas. Conversas, reuniões, aulas hoje são feitas usando plataformas. A restrição nas idas aos estabelecimentos físicos estimulou a entrega em domicílio de materiais e mercadorias. Afinal, é a velha distinção entre bits e átomos: se os bits transitam com agilidade pelas conexões nas trocas de informação e interações, a entrega física de átomos dependerá sempre de deslocamento físico.

É bom acompanhar a evolução da peste para intuir, talvez, algum sinal de arrefecimento. Para testar nosso desassossego, há uma infinidade de dados e curvas a que podemos recorrer via internet, mas ainda não se vê nada muito promissor. As curvas de casos mundiais seguem um estranho desenho de “montanha russa”, com subidas, caídas e novas subidas sem que se atine com uma explicação.

Uma análise mais objetiva das consequências deste período ainda demandará tempo. Alguns pontos já ressaltam: certamente mostra-se indispensável o acesso de todos, sólido e eficaz, à rede. Em linha menos óbvia, por exemplo, há meses fala-se de uma carência de circuitos integrados (chips) no mercado, com um misto de fatores que influíram. Em recente artigo da revista Spectrum, do IEEE, analisa-se esse ponto: se houve um desaquecimento de diversas indústrias consumidoras, como a automobilística, houve, por outro lado, um impulso com a busca de dispositivos de acesso, conexão à rede e entretenimento. Agora, com a paulatina volta de setores que desaceleraram, os fabricantes de chips viram-se incapazes de atender à onda de demanda. Segundo o texto, isso começará a se normalizar durante o segundo semestre de 2021, mas apenas em 2022 voltaremos ao normal. Na pandemia, acelerou-se a disseminação de interfaces automatizadas que operam com linguagem natural e aplicações de inteligência artificial (IA) no atendimento ao público. E, afinal, há oportunidades para sistemas que garimpem intensamente dados e perfis e até para os que simulam comportamento humano, não apenas exibindo linguagem natural, mas podendo comportar-se como “indivíduos” com determinado perfil ou idade, compondo textos que facilmente passariam por reais.

Haverá um “novo normal” ou voltaremos basicamente ao que havia antes? Claro que as experiências pelas quais estamos passando deixarão sua marca no comportamento futuro, mas, pessoalmente, torço pela volta de algo mais próximo do “velho normal”. Há uma palavra inglesa,“serendipity”, que vai sendo incorporada como “serendipidade” e refere-se a acontecimento inesperado, fortuito e benéfico. Como quando, ao tropeçar em algo, bolamos uma invenção. No “velho normal”, muitas vezes em conversas ao redor do café, em esbarrões nos corredores ou no almoço surgiam ideias valiosas que mudariam o curso dos acontecimentos. Um caso antigo famoso foi a descoberta por Flemig da penicilina – numa placa acidentalmente desprotegida cresceu um fungo que matava bactérias. Em acaso feliz, descobria- se a penicilina! Com o uso remoto, a serendipidade diminuiu, pois estamos muito mais enquadrados quando falamos em reunião virtual. Precisamos recuperar a possibilidade de toparmos com um benfazejo, inesperado e repentino “estalo”. *É ENGENHEIRO ELETRICISTA

Publicidade

Opinião por Demi Getschko
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.