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Opinião|Precisamos salvar o artigo 19

Se o Artigo 19 é derrubado, acaba a liberdade de expressão na internet

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A constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internetestá em jogo Foto: Gabriela Bilo/Estadão

O Supremo ia julgar, na próxima quarta-feira, dia 4, dois processos — um envolvendo o Facebook e, o outro, o Google. Mas o presidente da Corte, José Antonio Dias Toffoli, tirou da pauta. É um respiro. Os detalhes dos casos são pouco importantes. Relevante, de fato, é o que está em jogo: a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet.

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O fato de que foi suspenso quer dizer que teremos tempo para fazer um debate muito importante. Porque, se o artigo 19 for derrubado, será um desastre.

O Marco Civil é a lei da internet. É o texto que regula as principais questões da grande rede. E o Brasil tem uma boa lei da internet. Este artigo em particular, o 19, estabelece que uma empresa com presença na internet só é obrigada a retirar algum tipo de conteúdo publicado em suas propriedades por ordem judicial.

Traduzindo, de uma forma muito mais simples: só um juiz pode afirmar que alguma informação tem de ser tirada da rede. Em essência, estamos falando de censura. Se alguém precisa ter o poder de censura, que seja um juiz e ninguém mais.

O debate é muito antigo, e não só no Brasil. Quando a internet comercial estava apenas surgindo, em 1996, os Estados Unidos baixaram aquela que é, essencialmente, a primeira lei a regular o mundo online. É o Ato de Decência da Internet, sancionado pelo então presidente Bill Clinton. O ponto que mais incitou debate foi justamente este: se alguém publica algo num site, o dono é responsável?

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Se, naquele momento, os americanos tivessem estabelecido que qualquer provedor é responsável pelo que se publica em suas máquinas, a rede seria radicalmente diferente. Esta internet colaborativa que temos, com todos seus defeitos, é uma na qual podemos participar livremente de debates no Twitter ou no Facebook, nos é possível publicar vídeos no YouTube, comentários em blogs e mais blogs. Aliás, qualquer um pode ter seu blog e hospedá-lo de graça.

Mas se cada provedor pudesse ser processado pelo que nele se publicou, todas estas empresas que hoje são grandes não teriam sobrevivido à fase de startups. E cada um que quisesse publicar algo na rede teria de ser dono de um servidor conectado à internet. O mundo não teria se tornado digital.

A internet que conhecemos não existiria.

Ela tem imensos problemas. Os algoritmos do Twitter transformam o debate político numa batalha selvagem e irracional. Publicidade produzida com má fé e publicada no Facebook influenciou mais do que uma eleição. Notícias falsas circulando pelo WhatsApp causam dano real diariamente. Mais de um estudo mostrou que o YouTube estimulou a radicalização de muitos pelos vídeos que recomenda.

Democracia não é um bicho simples. Essas empresas devem ser responsabilizadas no que influenciam — em seus algoritmos, nas políticas que adotam para publicidade. Devem encontrar meios técnicos para trazer mais à tona informação real e diminuir os espaços de sabotagem da democracia por teóricos da conspiração.

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Muitas coisas já são feitas. Conteúdo com muita violência, pedofilia, o pior do pior nós sequer vemos. Os sistemas bloqueiam.

Quem decide se alguma informação tem de ser retirada do ar tem de ser a Justiça. Se o Artigo 19 é derrubado, acaba a liberdade de expressão na internet. Qualquer um pode exigir que algo seja retirado do ar. Se o pedido não for seguido, descumprirá uma obrigação legal e estará sujeito a sanções judiciais. Não são apenas as grandes. O vereador da cidadezinha poderá exigir do blogueiro local que retire uma denúncia.

Hoje, este vereador precisa de uma ordem judicial. Ainda bem. Em democracias é assim.

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