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Processada por denunciar

Blogueira que acusou plágio de tradução é processada; editora pede indenização a retirada do blog do ar

Por Tatiana Mello Dias
Atualização:

Já faz alguns anos que a historiadora e tradutora Denise Bottman pesquisa plágios em traduções brasileiras de livros internacionais. Alguns deles são publicados no blog, Não gosto de plágio.

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Um desses casos foi revelado em janeiro do ano passado. Ela publicou em seu blog que a tradução da obra Persuasão, de Jane Austen, lançada pela editora Landmark, era a mesma de Isabel Sequeira, publicada por outra editora em 2006. Ela mostrou alguns exemplos – como vários erros da primeira tradução repetidos na segunda.

Denise chegou a entrar em contato com Fábio Cyrino, o dono da editora que também assina a tradução. À ela, por telefone, ele reafirmou ser o tradutor da obra. A blogueira, então, entrou com uma ação civil pública contra a editora.

Isso foi em junho do ano passado. Na semana passada,  ela recebeu uma notificação judicial: a editora Landmark a processou – eles pedem pagamentos de danos morais e materiais, além da suspensão do blog e “segredo de justiça”.

O que era um caso restrito ao universo literário ganhou outra proporção. O Link conversou com ela para saber mais sobre o processo.

Como foi que você se deu conta do plágio? Existe uma comunidade dedicada à Jane Austen. Existem alguns blogs e comunidades no Orkut dedicadas à obra dela. As pessoas discutem e fazem reuniões periódicas para discutir, e foi em uma dessas reuniões que perceberam a semelhança. As coincidências foram publicadas primeiro no blog Jane Austen. Eu fui avisada e comecei a pesquisar.

Como é a sua pesquisa? Eu tenho uma sistemática aos poucos. Isso demanda muito tempo e um certo dinheiro para comprar as edições. Eu vi mais títulos da Landmark e vi outro plágio. Noticiei no blog logo a seguir. Só que a tradutora entrou em contato comigo e disse “eu nunca fiz essa tradução, fui contratada como revisora”. Publiquei uma retificação.

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Você chegou a entrar em contato com a editora? Sim. Liguei pro Fabio (Cyrino) por telefone, foi ele mesmo que atendeu. Eu falei do aviso, falei da tradução idêntica, perguntei como ele explicaria isso. Pedi a confirmação de que a tradução era dele, e ele confirmou. Então em março eu enviei um pedido de representação no Ministério Público apresentando as provas. O procurador instaurou um inquérito para apurar.

Essa foi a primeira vez que pediram a remoção do seu blog? Sim. Eles pediram indenização por danos morais e materiais, retirada do blog e que corresse em segredo de justiça. Eu acabei recebendo muitas visitas com esse caso. É um problema restrito, é um nicho, mas acabou adquirindo uma visibilidade não por causa do problema do plágio, mas do pedido de uma liminar pra remoção do blog. O que eu achei interessante foi que o juiz indeferiu o pedido de remoção imediata do blog.

Denise Bottman

O que ele alegou? Ele indeferiu porque entrava numa seara que não estava classificada pacificada e que afetava diretamente o direito de expressão e crítica e, por isso, precisaria de uma apuração mais cuidadosa. Em momento algum eu falei em liberdade de expressão, porque isso se dá por suposto. Porque tudo que eu assino é fundamentado em provas que eu posso fundamentar em juízo.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Há quanto tempo você tem o blog? O blog começou com um grupo de tradutores no Yahoo. Alguns jornais publicaram em 2007 algumas notícias sobre plágio, e nós ficávamos discutindo o absurdo que era aquilo. Surgiu a idéia de criar um blog chamado Assinado: tradutores. Foi publicado um abaixo-assinado. Fiquei nesse blog até setembro de 2008 e criei o Não gosto de plágio. É um blog pessoal, onde não me coloco como tradutora, mas como historiadora em defesa da história e como cidadã. O blog é apenas a face pública de um imenso trabalho de pesquisa histórica do que eu faço.

O problema é muito comum? Sim. O que acontece é o seguinte: muitas editoras fecham e o catálogo fica abandonado. São livros que ninguém reedita ou que os detentores de direitos não existem mais ou não são localizáveis. É o que a lei define com obras abandonadas, utilizadas maciçamente em centenas de plágios. Com a Lei de Direitos Autorais, de 1998, tivemos uma enxurrada de plágios. Eu calculo, por baixo, 10 milhões de exemplares. A legislação é completamente restritiva em relação ao xerox, mas as universidades continuam usando obras clássicas. Não se pode copiar, então as editoras reeditam com outros nomes de tradutores. Tem tradução de Eça de Queiroz assinado por outro. O leitor nem sabe que está lendo Eça. Assim como não sabe que está lendo a tradução de Voltaire feita por Mário Quintana.

O que você vai fazer agora? Depois de recebida a carta, tenho um prazo de 15 dias para apresentar a minha defesa. E é isso que está acontecendo agora.

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