PUBLICIDADE

Prova de fogo

Anúncios de abertura de capital podem inflar uma nova bolha, como a de 1999

Por Alexandre Matias
Atualização:

No início da retrospectiva de 2010 do Link, escolhemos o crescimento global do Facebook como um dos principais acontecimentos do ano passado. E, na matéria da capa da edição de 5 de dezembro, a repórter Carla Peralva entrevistou o autor do livro O Efeito Facebook (ed. Intrínseca), David Kirkpatrick. E, ao comentar como seria 2011 para a maior rede social do mundo, ele não pestanejou: “De onde veio o botão ‘Curtir’ vem muito mais. Especula-se que, quando o Facebook lançar suas ações na bolsa, a capitalização será tão alta que ele poderá ser a primeira empresa de um trilhão de dólares”.

PUBLICIDADE

Um trilhão de dólares? Nenhuma empresa na história chegou nem sequer à metade deste valor. No dia que estávamos fechando esta matéria, fui conversar com o repórter de economia Renato Cruz, que arregalou os olhos e foi consultar sua base de dados. US$ 419,4 bilhões é o preço da empresa mais valiosa do mundo, a Exxon. Cruz perguntou quem havia falado este valor, desconfiado, e ao quando disse quem era o autor – Kirkpatrick trabalhou por anos na revista Forbes –, ficou claro que não era só sensacionalismo.

Quando 2011 começou, veio uma série de notícias mostrando que, sim, havia uma expectativa muito grande em relação ao aumento de investimentos em empresas digitais – não só o Facebook. Embora a própria rede de Mark Zuckerberg tenha aberto o ano das especulações, ao ser valorizada, no primeiro dia útil do ano, em US$ 50 bilhões.

Não parou por aí. Janeiro ainda viu a rede social profissional Linkedin anunciar que abriria capital na bolsa norte-americana e viu seu preço subir para US$ 175 milhões. Analistas avaliaram o Foursquare, uma rede social há menos de dois anos em US$ 250 milhões. O site de compras coletivas Groupon, que quase foi comprado pelo Google no fim de 2010 por US$ 6 bilhões, estaria valendo US$ 15 bilhões. O Twitter dobrou de valor em menos de dois meses (de US$ 3,7 bi passou a valer entre US$ 8 bi e US$ 10 bi). Fevereiro viu a empresa de games sociais Zynga ser avaliada em US$ 10 bi e o blog Huffington Post ser vendido para a America Online por US$ 315 milhões. É muito dinheiro.

A última vez que se viu tanto dinheiro assim entrar no mercado de empresas digitais foi no final do século passado, quando os negócios da web passaram por seu primeiro grande trauma: a famigerada bolha de 1999 (veja mais no Personal Nerd ao lado). Será que este monte de dinheiro sendo injetado de forma tão rápida não seria indício que estaríamos assistindo a uma nova bolha se formando?

A bolha da web 2.0 é uma bola que vem sendo cantada desde os tempos em que o MySpace era uma rede social importante. Mas no início do mês, o ainda CEO do Google, Eric Schmidt (que deixará o cargo no próximo mês de abril), disse em entrevista a uma revista suíça que “há claros indícios de formação de uma bolha.”

Há quem discorde. Mas se lembrarmos que no início deste ano empresas como Netflix, Pandora e Zipcar viram seus valores aumentarem inesperadamente pelo simples anúncio de abertura de capital. E nomes grandes como Facebook, Linkedin, Twitter, Skype, Groupon e Zynga ainda estão para se tornar empresas públicas, não duvide que muito mais dinheiro será entornado neste ano. É a prova de fogo para o mercado digital. Se ele sobreviver a esta possível formação de bolha, aí sim estaremos em uma nova fase.

Publicidade

“Desde que o Groupon rejeitou 6 mi do Google, o setor está no centro da especulação e, com isso, veio o medo de que o Vale do Silício esteja inflando uma bolha das redes sociais”Daily Mail

“A valorização da Zynga disparou a preocupação de estarmos a caminho de repetir a bolha que sugou milhões de dólares de investidores uma década atrás”The Independent

“Enquanto as valorizações da internet disparam e mercado fica cada vez mais espumoso, muitos olhos se voltam para um alvo particularmente enigmático: o Twitter”The Wall Street Journal

“Facebook, Zynga, Groupon, Twitter e Linkedin. Essas cinco empresas se valorizaram acima da marca de US$ 1 bilhão. Parece que estamos de volta a 1999…” Business Insider

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Pedro Doria A empresa símbolo da bolha das ponto com, que estourou em março de 2000, foi a Netscape. Apenas alguns anos antes, ela parecia destinada ao domínio da internet. Não durou muito, um par de anos talvez. Foi arrasada pelo poder de distribuição da Microsoft com seu Internet Explorer. A Netscape foi comprada na fase da sucata, em 1998, pela AOL.

A empresa símbolo deste momento em que vivemos, o Google, domina a internet faz anos. Tem US$ 35 bilhões em dinheiro nos seus cofres. É quase o PIB do Uruguai. A Apple tem o dobro disso debaixo do colchão. Uma Síria. Há uma diferença fundamental entre estes dois momentos no Vale do Silício. Há riqueza real, dinheiro vivo, criação de valores concretos, em produção neste momento. No final dos anos 90, tinha pet shop eletrônico abrindo capital na Bolsa e sendo avaliado na casa das centenas de milhões sem produzir um tostão. Não é o que ocorre agora.

Uma bolha acontece quando um grupo cada vez maior de pessoas especula sobre o valor de um produto ou negócio. Quanto mais gente bota dinheiro, maior o valor aparente. A AOL comprou o Huffington Post por US$ 315 milhões. O HuffPo, que entrou no azul em 2010, tinha a expectativa de fazer uns US$ 60 milhões em 2011.

Publicidade

Em se considerando que a AOL, com seu poder de fogo, vai aumentar muito o tráfego para o site, não é absurdo imaginar que chegue a US$ 90 milhões. A avaliação, portanto, é de umas 4 vezes seu lucro. Mesmo quem acha um absurdo há de convir: não é uma aposta irracional de milhares de especuladores. Se alguém tomar prejuízo é a AOL, cuja avaliação na Bolsa já é baixa.

O Facebook foi avaliado por um pequeno grupo de investidores em US$ 50 bilhões, 25 vezes seu faturamento de 2010. Mas a decisão é de um grupo pequeno de investidores, não cria bolha. E o potencial de crescimento do Facebook é concreto. Não é um pet shop eletrônico. Há exageros neste momento? Sim. Pontuais. Não há uma penca de empresas ponto com abrindo capital e sendo avaliadas em milhões, bilhões. É claro que uma bolha pode surgir. Por enquanto, estamos falando de dinheiro de verdade entrando no cofre.

*É editor-chefe de conteúdos digitais do Grupo Estado e colunista do Link

Renato Cruz Em 1999, um ano antes do estouro da bolha das ponto com, quando escrevia minha dissertação sobre internet, meu orientador de mestrado, o professor Kardec Pinto Vallada, disse que aquela situação lembrava a história do menino que tentou vender um filhote de cachorro por US$ 1 milhão, mas que, sem conseguir comprador, acabou trocando-o por dois gatinhos de US$ 500 mil.

Valor pode ser um troço muito subjetivo. O valor de uma empresa reflete a expectativa de resultados futuros. Qual é o potencial das empresas que atuam num mercado novo? Ninguém sabe.

O Facebook vale US$ 50 bilhões e, em meados de 2010, valia US$ 10 bilhões. Recentemente, o Twitter, que é deficitário, recebeu propostas de compra entre US$ 8 bilhões e US$ 10 bilhões. Em dezembro, era avaliado em US$ 3,7 bilhões. O preço da Zynga, que criou o jogo Farmville, é de US$ 10 bilhões. No ano passado, o Groupon recusou uma oferta de US$ 6 bilhões do Google e tem hoje valor estimado de US$ 15 bilhões.

Acho difícil esse cenário não ser considerado de bolha. Mas existem diferenças em relação àquela que explodiu em 2000. Em primeiro lugar, naquela época havia uma corrida para a abertura de capital. Hoje, essas empresas buscam conseguir o máximo de recursos fora da bolsa, de grandes investidores, adiando o lançamento de ações. Com isso, o alcance da bolha é mais restrito.

Publicidade

Em segundo lugar, os modelos de negócios são mais sólidos. O Twitter nem tanto, mas o Facebook e o Groupon fazem dinheiro. Não são como a Pets.com, empresa típica da bolha 1.0. Ela tentava vender pacotes de comida de cachorro (entre outros produtos) e, como o frete custava mais do que o produto, subsidiava o frete. Não tinha como fazer dar certo. A questão principal das ponto com (quem se lembra do termo?) de hoje é a real capacidade de crescimento.

Mas existe um lado positivo das bolhas. Elas aceleram o desenvolvimento do mercado. Sem as redes de telecomunicações e os centros de dados criados durante a bolha 1.0, não teríamos chegado a esta bolha 2.0.

* É repórter do Estadão e autor do blog que leva seu nome, no site do Link

—- Leia mais:Link no Papel – 21/02/2011

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.