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Por dentro da rede

Opinião|Quase-Direito

Fragmentar a rede implicará na perda de acesso ao enorme mercado além das fronteiras

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Atualização:

“Revolução Digital” é palavra de ordem. No lugar de “digital” (que remete a dígito ou dedo) poderia ter-se usado “discreto”, antônimo de “analógico” ou “contínuo”. Mas, convenhamos: a revolução que está aí é tudo menos “discreta”... 

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Se correio, telégrafo e telefonia já permitiam conexões entre os cidadãos do mundo, a forma com que essa interligação passou a ser operada hoje é algo incomparável: por primeira vez temos uma “comunicação franca” ao alcance de todos. E há rupturas sociais muito maiores do que simplesmente a introdução da informática, da automação, da eletrônica em nosso dia a dia. 

A Internet realizou a interpenetração de fronteiras físicas. Se nos referirmos ao Tratado de Vestfália, a consolidação do moderno conceito de nação tem menos de 400 anos, com definição de “soberania” e introdução da diplomacia nas negociações. Fronteiras físicas são elementos cruciais das nações. A imposição de leis e normas sociais fica adstrita aos limites físicos dos estados nacionais. Há tratados internacionais que buscam homogeneizar comportamentos e ações, mas são raros e de difícil consecução. 

Quando estamos discutindo algo em um grupo, é claro que não é necessário que os participantes ou o gestor do grupo estejam localizados no país cuja língua está sendo utilizada. Muito menos a plataforma na qual o grupo se articula. Então, em situações dessas, em face de potencial abuso, como definir qual lei foi burlada, se não é claro o contexto sociocultural nacional que se aplica? 

Outro ponto a ponderar é que, longe de nações ou de associações convencionais, a proximidade física concorre pouco para o alinhamento de grupos de discussão. Buscamos afinidades de temas, ideias e posicionamento, mais do que vizinhança física. As tensões que surgem hoje pouco se relacionam a países e fronteiras, mas sim a linhas de pensamento, de negócio e de poder. Uma corrente que queira atacar a posição oposta, encontrará aliados em diversos lugares do globo, prontos a cerrarem fileiras. 

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Buscar legislação de consenso é uma forma de atenuar o problema. Mas tratados internacionais, além de difíceis de obter, demoram muito mais do que os novos tempos exigem. Buscar homogeneização entre leis nacionais pode ser parte da solução, como parece estar sendo o caso da proteção de dados individuais. Outra forma, conhecida como “soft law” ou “quase-direito”, é buscar um consenso não formal nesses temas. Nessa linha, em junho haverá em Berlim a terceira reunião de “Internet e Jurisdição”, conferência que debate temas transfronteiriços em três vertentes: dados, conteúdos inadequados, e nomes de domínio.

O “quase-direito” é uma forma de articulação que pode nos livrar de alternativas bem ruins. É recorrente a ameaça, lançada de tempos em tempos por países descontentes com a rede mundial, de estabelecerem-se também “fronteiras” para a internet.

Essa opção, de “fragmentar” a rede, representaria abjurar a revolução que ela trouxe, tornando-a uma realidade nacional contida nas fronteiras físicas, com características locais. Mas mesmo para as nações que não se sentem confortáveis com o cenário global, fragmentar a rede implicará, para elas também, na perda de acesso ao enorme mercado além das fronteiras físicas. Terão elas coragem de “trucar” aí? A emenda pode sair pior que o soneto.

Opinião por Demi Getschko
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