Travis Kalanick, o ex-presidente executivo do Uber, sabia do pagamento de US$ 100 mil a hackers
Grandes empresas de tecnologia são, muitas vezes, reflexos de seus líderes. Foi assim com a Microsoft e Bill Gates, a Apple e Steve Jobs, Facebook e Mark Zuckerberg. Com Travis Kalanick e o Uber, não é diferente.
Apesar de não ter criado a primeira versão do aplicativo de transportes que mudou a mobilidade urbana como a conhecíamos – a honra pertence a Garrett Camp, cofundador do Uber –, Kalanick tornou-se seu líder e construiu o Uber à sua imagem e semelhança no período em que esteve junto, como “conselheiro”, e depois à frente da empresa como presidente executivo, entre 2010 e esta semana.
Para o bem e para o mal: muito do crescimento global do Uber se deve à competitividade de Kalanick. Afinal, hoje, a empresa está em 66 países mais de 500 cidades do mundo. No entanto, esse caminho de crescimento rápido também foi forjado com a cultura de trabalho do próprio Kalanick: agressiva, workaholic, marcada pela busca do resultado a qualquer custo.
Assim como várias histórias do Vale do Silício, a de Kalanick também é marcada por fracassos ao meio do caminho: nascido em 1976, em Los Angeles, na Califórnia, ele estudou engenharia de computação na Universidade da Califórnia. Ao se formar, criou dois serviços de compartilhamento de arquivos, o Scour e o Red Swoosh.
O primeiro teve de declarar falência para não ser processado por US$ 250 bilhões pela indústria fonográfica e cinematográfica dos EUA. O segundo foi vendido por US$ 19 milhões, mas fez Travis voltar a morar na casa dos pais para economizar dinheiro. O comentário dele sobre aquele período? “Eu não estava conseguindo ‘pegar mulher’. Era horrível”, disse o executivo anos mais tarde, em 2011, quando o Uber já somava milhares de caronas realizadas em São Francisco.
Lembre as recentes polêmicas envolvendo o Uber
Em 2016, Travis Kalanick aceitou um cargo na equipe de conselheiro econômicos de Donald Trump, presidente dos Estados Unidos. A decisão gerou retaliação de usuários contrários ao governo, que criaram a campanha #DeleteUber. Em apenas alguns dias, o app foi desinstalado por 200 mil pessoas, o que fez com que Kalanick renunciasse ao cargo. “Não entrei para o grupo para mostrar apoio ao presidente ou suas ações, mas infelizmente isso foi mal interpretado como sendo exatamente isso”, disse o executivo na época.
No Brasil, a empresa está enfrentando graves problemas de segurança. Motoristas reclamam que há pouca fiscalização de usuários quando o pagamento é efetuado em dinheiro — ao contrário do pagamento em cartão de crédito, não é preciso colocar dados pessoais. Com isso, relatos de assalto e sequestros de motorista e passageiros surge de maneira frequente. O Uber diz que faz uma checagem de segurança e, há pouco tempo, passou a exigir CPF dos usuários que pagam em dinheiro.
O Uber também sofreu um revés em fevereiro deste ano com a Justiça brasileira: a 33.ª Vara de Justiça do Trabalho de Belo Horizonte reconheceu o vínculo empregatício de um motorista brasileiro com o Uber. De acordo com a decisão, o ex-motorista Rodrigo Leonardo Silva Ferreira, de 39 anos, tem direito a receber aviso prévio indenizado, férias proporcionais e valores correspondentes ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), com multa correspondente a 40% pela demissão.
Ex-funcionária do Uber, Susan Fowler denunciou em seu blog que um gerente na empresa usou um software de bate-papo interno para tentar "fazer com que ela fizesse sexo com ele". Como prova, a ex-funcionária ainda fez imagens da tela com as mensagens mostrando o assédio. Em resposta, Travis Kalanick ordenou nesta uma "investigação urgente" sobre as alegações de assédio.
Depois das alegações de Fowler sobre assédio dentro do Uber, o jornal norte-americano The New York Times publicou informações que aumentam o número de acusações sobre a companhia. Segundo o jornal, funcionários usaram cocaína durante uma viagem da empresa e um deles foi demitido após assediar algumas de suas colegas de trabalho.
A Waymo, unidade de carros autônomos da Alphabet -- holding que controla o Google -- está processando o Uber, alegando roubo de tecnologia própria. Segundo o texto do processo, a tecnologia que teria sido roubada é a de sensores capazes de identificar a posição dos carros no espaço e ajudá-los a se locomover sozinhos. "A tecnologia LiDAR da Uber é, na verdade, a tecnologia LiDAR da Waymo", diz a denúncia. O Uber disse em comunicado que o processo da Waymo é uma tentativa sem fundamento de desacelerar um competidor e que, por isso, eles irão se defender vigorosamente das acusações no tribunal.
Os problemas do Uber em relação à assédio sexual não terminaram com as acusações de Susan Fowler. Ex-chefe de buscas do Google, Amit Singhal foi contratado pelo Uber em janeiro, como uma grande aposta da empresa para aprimorar seu sistema. Pouco de um mês depois, a empresa o demitiu. O motivo? O Google tinha desligado Singhal de seu quadro de funcionários após o executivo ser investigado por um abuso sexual contra uma funcionária. Procurado pela imprensa, ele desmentiu.
Presidente executivo do Uber, Travis Kalanick foi filmado discutindo com um motorista de seu próprio aplicativo. Em cenas gravadas por uma câmera dentro do carro, o executivo troca farpas com o motorista Fawzi Kamel, que reclamou das tarifas cobradas pelo serviço de caronas pagas. Depois de ter as cenas divulgadas na imprensa, Kalanick disse que “precisa crescer” como líder.
De acordo com reportagem do The New York Times, o Uber usou um software para enganar autoridades e escapar de fiscalização em cidades onde está ou esteve ilegal. Para isso, eles coletam ilegalmente dados de usuários do aplicativo para identificar os fiscais e autoridades governamentais, como forma de se prevenir de penas ou sanções. O Uber disse que a plataforma foi usada para evitar “usuários que usam o serviço de maneira inapropriada”.
Em 2016, o órgão público que regula transporte em Londres, no Reino Unido, definiu que condutores de empresas privadas de transporte têm que provar a capacidade de domínio da língua inglesa de seus motoristas. Para tentar reverter a situação, o Uber entrou com uma ação. No entanto, a empresa perdeu o processo e agora precisa comprovar que seus motoristas falam inglês perfeitamente. O Uber disse que tal medida faria com que 33 mil condutores perdessem as suas licenças para operar na capital.
O Uber vem enfrentando problemas de regulação no continente asiático. Em fevereiro, a companhia parou de operar em Taiwan por causa de uma multa milionária implantada pelo governo local por operar ilegalmente no território. Em março, a empresa sofreu outro revés quando um juiz de Hong Kong condenou cinco de seus motoristas por usaram o aplicativo. A punição desmotiva o uso do serviço na região pelo medo que os motoristas têm de ganharem sanções parecidas.
No dia 19 de março, Jeff Jones, presidente do Uber, renunciou ao cargo após seis meses depois de o ter assumido. Dentro da empresa, ocupava a segunda posição mais importante, logo abaixo de Travis Kalanick. Jones alegou que estava deixando a companhia por incompatibilidade de valores. No começo de março, Ed Baker, vice-presidente de produtos e desenvolvimento do Uber, e Charlie Miller, principal investigador de segurança, também deixaram a empresa.
O site norte-americano The Information divulgou que, em 2014, uma equipe do Uber visitou uma casa de prostituição em Seul, capital da Coreia do Sul. De acordo com a publicação, os quatro gestores da companhia escolhiam mulheres da casa, chamando-as por números, para sentar-se com eles. Depois dessa noite, uma funcionária do Uber reportou ao RH da empresa que a viagem a deixou desconfortável.
Na segunda feira, 27, o Uber voltou a colocar seus carros autônomos na rua. Na última sexta-feira, 24, a empresa havia suspendido o projeto após um de seus protótipos capotar ao colidir com outro veículo no estado norte-americano do Arizona. Depois do acidente, uma investigação foi conduzida e a empresa decidiu liberar seus carros para rodarem nas três cidades onde testa o projeto — Tempe, no Arizona, São Francisco e Pittsburgh. Segundo a polícia local, o carro pilotado por humano foi o responsável pelo acidente com o carro autônomo do Uber.
O Uber anunciou em 28 de março que deixará de funcionar na Dinamarca a partir de abril deste ano. Uma nova legislação local obriga que todos os motoristas a utilizem taxímetro, o que inviabiliza o serviço. Desde 2014, a companhia sofre dificuldades no país, que encara o Uber como uma concorrência injusta aos táxis.
Emil Michael, vice-presidente sênior de negócios e segundo na linha de comando do Uber, deixou a empresa após o conselho administrativo afirmar que vai acatar os conselhos registrados no relatório final da investigação de assédio sexual. "Entrei na empresa há quase quatro anos e vivi uma experiência completa ao ajudar o Uber a se tornar a empresa de mais rápido crescimento de todos os tempos", amenizou o executivo. Não ficou claro, porém, se Michael foi demitido ou se ele próprio renunciou ao cargo.
O cofundador e presidente executivo do Uber, Travis Kalanick, anunciou uma licença da empresa por tempo indeterminado no meio de junho. A saída do executivo foi anunciada em um e-mail para os funcionários e faz parte de uma série de recomendações feitas ao conselho após a investigação que começou por denúncias de assédio sexual na empresa. Kalanick disse que deixa a empresa para atravessar o período de luto após a morte de sua mãe em um acidente de barco e que usará a licença para "refletir, trabalhar em si mesmo e construir um time de liderança de classe mundial".
A experiência de Travis nas duas empresas foi o que o levou até o Uber em 2009: Garrett Camp, Oscar Salazar e Conrad Whelan tinham feito o primeiro protótipo do serviço, mas precisavam ir além. Quando ele chegou, a empresa ainda se chamava UberCab e tinha como foco o mercado de transporte particular de alto padrão – os carros pretos, de luxo, que até hoje fazem parte da categoria Uber Black.
Em pouco tempo, porém, Kalanick deixou o papel de conselheiro para se tornar seu presidente executivo – e sua face pública. Com ele, o UberCab se tornou só Uber em 2011. No ano seguinte, o executivo lançou o Uber X, a faceta mais popular do aplicativo até hoje, em que qualquer pessoa poderia usar seu carro para dirigir por aí e ganhar algum dinheiro no tempo livre. Aos passageiros, a promessa era de viagens 30% mais baratas que em um táxi. Em menos de seis meses, o serviço saltou de uma para 35 cidades nos EUA.
O crescimento rápido nos fez a empresa receber mais e mais aportes – em agosto de 2013, ao receber mais de US$ 300 milhões do GV, braço de investimentos do Google, o Uber se tornou um unicórnio, sendo avaliado em US$ 3,5 bilhões. Na rodada seguinte, em junho de 2014, a avaliação subiu para US$ 18,2 bilhões. Seis meses depois, US$ 40 bilhões – e foi rodando até chegar num pico de US$ 62,5 bilhões, fazendo a empresa valer mais que a Ford e a GM mesmo sem ter um único carro. Não foi só o Google que entrou nessa: Jeff Bezos, da Amazon, Microsoft, os bancos Goldman Sachs e Morgan Stanley e até o rapper Jay-Z investiram na empresa.
O sucesso, porém, subiu à cabeça: em vez de oferecer qualidade, como no começo, a empresa passou a focar nos preços cada vez mais baixos e crescer de forma desenfreada para justificar os investimentos. “Quando você troca a qualidade pelo preço, a empresa cai”, avalia Fabro Steibel, professor da ESPM-RJ.
Relembre a guerra entre Uber e motoristas na Justiça do Trabalho
Desde o início de 2017, motoristas e Uber têm travado batalha na Justiça do Trabalho no Brasil – até agora, as decisões têm divergido. No primeiro caso, em fevereiro de 2017, a 37ª Vara da Justiça do Trabalho de Belo Horizonte decidiu que um motorista, não identificado, não tinha direito a vínculo empregatício com a empresa – para o juiz, a existência de obrigações a serem seguidas pelo motorista não caracteriza a subordinação jurídica empregatícia.
Poucos dias depois, também em Belo Horizonte, a 33ª Vara de Justiça do Trabalho de Belo Horizonte deu ganho de causa ao motorista Rodrigo Leonardo da Silva Ferreira, que trabalhou para a empresa entre fevereiro de 2015 e dezembro de 2015. Em entrevista ao Estado, Ferreira contou que não queria questionar o Uber por conta de benefícios como aviso prévio, férias e Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), mas reclamar de sua exclusão do aplicativo. O Uber recorreu da decisão. Lembre o caso.
Em abril de 2017, a 13ª Vara de Justiça do Trabalho de São Paulo reconheceu que o motorista Fernando dos Santos Teodoro deverá receber R$ 80 mil do Uber por vínculo empregatício com o aplicativo e danos morais. Segundo Teodoro, as exigências do Uber e as ameaças sofridas por taxistas no tempo que prestou serviço para a plataforma de transportes "geraram danos extrapatrimoniais à sua pessoa". O Uber recorreu da decisão. Lembre o caso.
Dias depois, ainda em abril deste ano, a Justiça do Distrito Federal venceu uma ação movida pelo motorista William Miranda da Costa. Na decisão, a juíza Tamara Gil Kemp afirma que a empresa e o motorista possuíam relação de parceria, e que não há ligação empregatícia entre o Uber e da Costa. Lembre o caso.
Após perder para o motorista Rodrigo Leonardo da Silva Ferreira na primeira instância, o Uber venceu o motorista em decisão do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais (TRT-MG), na segunda instância. Segundo advogados do Uber presentes na audiência, os juízes citaram a possibilidade dos motoristas de se desconectarem do serviço quando preferirem, oferecer suas contas a outros motoristas e a tarifa dividida como evidências de que eles deveriam ser considerados parceiros da empresa e não funcionários. Procurado pelo Estado, Ferreira disse que vai levar o caso ao Tribunal Superior do Trabalho. Lembre o caso.
Na sequência, o Uber obteve duas vitórias: a primeira foi em maio, na 12ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, contra o motorista Charles Figueiredo. Além de negar o pedido de vínculo empregatício, o juiz condenou Figueiredo por litigância de má-fé – assim, o ex-motorista teve de pagar uma multa de R$ 1 mil, correspondente a cerca de 1% do valor total pedido. Lembre o caso.
Nesta semana, a 86ª Vara do Trabalho de São Paulo negou vínculo empregatício da empresa com o motorista James Cesar de Araujo – é a primeira vez que a empresa tem uma vitória no Estado de São Paulo. De acordo com a sentença do juiz do trabalho Giovane da Silva Gonçalves, “não havia, ao contrário do alegado na inicial, qualquer imposição, ainda que indireta, para que o reclamante trabalhasse em jornadas determinadas pela reclamada, muito menos em desrespeito às possibilidades humanas.” Lembre o caso.
Foi aí que os problemas começaram a surgir: não poucas vezes, o Uber rompia com a legislação de transporte particular das cidades – e até criou um software para espionar fiscais que poderiam multá-lo. Para continuar faturando, a empresa gerou um sistema em que motoristas não dirigiam nas horas vagas, mas sim transformaram o aplicativo em sua principal ocupação, mesmo sem um contrato de trabalho estabelecido – no Brasil, hoje a empresa enfrenta diversos casos de motoristas pedindo vínculo empregatício na Justiça do Trabalho. Em vez de uma tarde livre, jornadas de 12, 14 e até 16 horas por dia se tornaram comuns para muitos “parceiros”.
Em certos mercados, porém, a receita não funcionou – na China, por exemplo, o Uber foi forçado a recuar após torrar US$ 1 bilhão ao ano sem conseguir se tornar líder de mercado. Em junho de 2016, a empresa desistiu – e vendeu suas operações à rival local Didi Chuxing.
Internamente, a cultura de trabalho também não parecia muito melhor: denúncias de assédio moral e sexual não receberam o devido tratamento por Kalanick. Segundo ex-funcionários, o clima de “brodagem” (como jovens universitários norte-americanos) era mais que presente na empresa – antes de uma festa em 2013, ao recomendar que funcionários em uma mesma hierarquia não tivessem relações sexuais, Kalanick se lamentou em um comunicado enviado aos empregados do Uber. "Isso significa que eu ficarei celibatário nesta noite. #QueVidaTriste".
Em fevereiro, o próprio presidente discutiu com um motorista do Uber – e foi filmado. Ao pedir desculpas, ele reconheceu sua dificuldade em liderar. A participação do executivo como conselheiro de Donald Trump na Casa Branca também não ajudou a empresa – e gerou a hashtag #deleteuber. “É difícil saber no dia a dia, mas a visão de fora é de alguém que é autoritário, centralizador e não é enérgico com atitudes que, para outros setores, são irregulares”, comenta Steibel. “As coisas chegaram num ponto em que ele começou a só gerar notícias ruins. No mercado, pequenas informações têm grandes impactos.”
Além de não conseguir lidar com a pressão de investidores, imprensa e do conselho de administração, Kalanick ainda teve recentemente um severo problema pessoal: em maio, sua mãe morreu em um acidente de barco e o pai teve ferimentos graves. O turbilhão de questões fez o executivo pedir licença do cargo de presidente na última semana. Para os investidores, não era suficiente: em uma carta nesta terça-feira, 21, eles pediram a Kalanick que renunciasse ao cargo e ele cedeu.
Longe de sua própria criação pela primeira vez em quase uma década, o panorama é de incerteza. Para o Uber, a transição para uma cultura de trabalho diferente será um desafio – ainda mais quando boa parte de seus funcionários foram contratados seguindo o “padrão Kalanick de qualidade”. Para o executivo, há duas dúvidas: ele será capaz de deixar o ego de lado e ajudar o Uber, ao mesmo tempo em que pode criar algo novo e tão visionário quanto o Uber? A viagem está apenas começando.