Sábado livre: Brasil; Nunca Mais

Projeto pretende digitalizar arquivo de processos da ditadura militar organizado por Dom Paulo Evaristo e pelo pastor Jaime Wright entre 1979 e 1985

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Por Tatiana Mello Dias
Atualização:

??? Projeto pretende digitalizar arquivo de processos da ditadura militar organizado por Dom Paulo Evaristo e pelo pastor Jaime Wright entre 1979 e 1985

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SÃO PAULO – Quando Dom Paulo Evaristo Arns e o pastor Jaime Wright e sua equipe vasculharam os arquivos do Tribunal Superior Militar clandestinamente e começaram o que seria um relatório de sete mil páginas, eles tinham um objetivo claro: documentar todos os horrores da ditadura militar para que aquilo nunca mais voltasse a se repetir na história do País. Surgia, ali, o “Brasil: Nunca Mais”, relatório que organiza 707 processos (totalizando um milhão de páginas) do Tribunal Superior Militar, e reúne documentos com todos tipos de abusos que aconteceram nos porões da ditadura militar.

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O trabalho de pesquisa durou de 1979 a 1985 e virou livro. Mas o relatório original tem apenas 25 cópias impressas, que estavam guardadas na Unicamp e na Universidade de Chicago. Embora o Ministério Público tivesse determinado que o arquivo fosse público, a documentação continuava restrita ao ambiente acadêmico. Mas agora isso deve mudar. Na próxima terça-feira, 14, será lançado em São Paulo o projeto “Brasil: Nunca mais – Digital”, que digitalizará todas as páginas do processo e o índice feito por Arns e Wright para facilitar a pesquisa entre a documentação.

Para Marcelo Zelic, vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais de SP e coordenador do Projeto Armazém Memória, que mantém cópias digitalizadas dos documentos na internet, era para isso que Arns e Wright trabalharam anos na clandestinidade: para dar à população o acesso àquelas informações. Ainda há um ano de trabalho pela frente, e ao final do processo as milhares de páginas devem estar digitalizadas e disponíveis em domínio público na rede. Zelic falou ao Link sobre o projeto:

 Foto: Estadão
 Foto: Estadão
 Foto: Estadão

Quando começou a digitalização da documentação? Eu criei o site Armazém Memória em 2001. Uma das preocupações sempre foi digitalizar a íntegra dessa documentação, por ser tão importante para os direitos humanos no Brasil. Ao longo do tempo disponibilizamos parte desse acervo na internet. Desde 2005 o usuário já podia acessar o relatório “Brasil: Nunca Mais”, com 7 mil cópias. Antes só haviam 25 cópias impressas. E isso serviu para processos de reparação, e para que houvesse estudos sobre a responsabilidade dos torturadores por parte do Ministério Público. O Armazém Memória entra nesse esforço para colocar na internet. No começo de 2010 percebemos que faltavam páginas de alguns processos em papel, por exemplo.

Qual documentação será digitalizada? Nesse período fomos pesquisar onde estava o material de segurança, que foi realizado por algumas pessoas que analisaram um milhão de páginas que estavam no Tribunal Superior Militar. É o projeto “Brasil: Nunca Mais”. Ele foi desenvolvido de forma clandestina. Há o relatório, que já está na internet, o livro e um documento anexo, com o xerox que está na Unicamp. Vamos usar os microfilmes que estavam guardados no projeto na Universidade de Chicago, e existia uma única cópia. Ao longo do processo também foram colecionando tudo o que saía sobre o projeto na imprensa nacional e estrangeira. Esse acervo será armazenado, e também o material de correspondência entre Arns e os outros pesquisadores.

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Esse material está em domínio público? Nós articulamos parceria com o Ministério Público Federal, e a proposta de repatriação foi aprovada. O que temos em discussão nesses 25 anos é que esse material sempre foi acessado na Unicamp. Nesse caso, as cópias dos documentos no Tribunal Superior Militar. Isso sempre foi público na Unicamp e em Chicago. Esse foi o entendimento dos procuradores. Não havia impedimento para que houvesse divulgação no meio tecnológico de hoje. O acesso nunca foi proibido, e foi doado com o expresso compromisso de que essa documentação fosse pública. Estamos discutindo só a conversão desse material.

Como será o processo daqui para frente? Os microfilmes estão sendo encaminhados ao Ministério Público. O arquivo público será responsável pela digitalização dos microfilmes. Nós teremos uma equipe para verificar as páginas, se há algo faltando ou página ilegível. Se sim, acionaremos o Arquivo Nacional e o MP que vai buscar a cópia original no Tribunal Superior Militar.

Qual é a extensão desse material? São 707 processos, totalizando um milhão de páginas. E apenas quatro pessoas. Organizaremos mutirões. A ideia é que em um ano esse material esteja disponível em um site em formato PDF. Todo o material terá links, e o relatório “Brasil: Nunca Mais” é o índice. Você pesquisa nele e encontra links direto para as páginas do processo. Quando o relatório cita lista de torturadores ou denúncias, você poderá clicar no link e abrir o PDF da denúncia na íntegra. No fundo, o que a gente consegue com esse trabalho que se está realizando é se aproximar mais dos objetivos que foram propostos quando a equipe fez esse trabalho de forma clandestina.

É uma proposta pedagógica: conhecer o passado para construir relações sociais e melhorar as instituições para que isso nunca mais aconteça. E isso só pode acontecer se houver acesso à informação. É um salto de qualidade em 25 anos. O material deixa de ser usado apenas no âmbito da universidade, e passa a ser acessível a qualquer um. A nossa proposta é que isso gere processos de apropriação de conteúdo em salas de aula, por exemplo.

O projeto “Brasil: Nunca Mais – Digital” será lançado oficialmente na terça-feira, 14, às 14h30, na sede da Procuradoria Regional da República da 3ª Região (PRR-3), em São Paulo (SP).

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