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Sábado Livre: não rouba navio

Criador do blog Hominis Canidae fala sobre o trabalho de divulgar bandas independentes

Por Murilo Roncolato
Atualização:

Diego Albuquerque costumava frequentar todos os festivais de hardcore em Recife. Além de conferir shows de bandas que ele nunca havia ouvido falar, lá ele torrava todo o dinheiro guardado para gastar em CDs também de… bandas que ele nunca havia ouvido falar.

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Fanático pelo formato CD e explorador nato de música nacional, Diego decidiu compartilhar todo seu acervo pela web. Na internet, o caminho foi a rede social Orkut, a mais popular no Brasil. O biólogo começou a divulgar links para download dos tais CDs. A prática foi aprovada pelos habitantes da rede. A coisa cresceu e a partir dali, surgiu a ideia de criar um blog para compartilhar todo aquele precioso conteúdo. Nascia ali, em meados de 2009, o Hominis Canidae.

O berço foi o Blogspot, plataforma de blogs do Google, mas como, além de bandas livres das gravadoras, Diego e seus colaboradores também publicavam conteúdo “mainstream”, ou seja, de músicos mais conhecidos do grande mercado (como Tom Jobim), o blog se tornou alvo e logo o Google o tirou do ar. Em uma nota, o Google listou 50 links “irregulares” e sem dar prazo para a devida adequação, o Hominis Canidae deixou de existir. Mas não por muito tempo.

O dono da criatura havia feito um backup e com ele ressuscitou o Hominis sob o domínio “.org” e passou a publicar apenas conteúdo independente. Leia abaixo a entrevista com o “homem cachorro”:

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Como é essa relação com bandas independentes? Eu sempre tive muitos CDs de bandas independentes de todos os Estados do Brasil. Por ser amigo de pessoas que organizam festivais independentes aqui em Recife, eu sempre ia e lá tinha bancas dos selos que vendiam todo o acervo delas. A gente comprava muito CD e de bandas muito diferentes.

Quantos trabalham no blog? Postando com alguma frequência são quatro pessoas acho. Tem o Paulo Marcondes, jornalista de São Paulo, um cara de Cabo Frio, eu, um amigo de João Pessoa — esse gosta de metal, uns troços barulhentos, que é bom para diversificar.

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De onde vem o nome do blog? Hominis Canidae é homem-cachorro, hiena e por aí vai. Na verdade, ele é o novo de um álbum da banda paulista “Eu serei a hiena”, que eu gosto muito. Aí o nome antes era só isso: o nome de álbum e que não tinha nenhum blog com esse nome, mas acabamos criando uma simbologia para ele. Um dia um cara me mandou um e-mail dizendo: “Legal essa ideia do Hominis Canidae, se você deixar algo cair a hiena vai lá e pega. É como se vocês dessem um aviso: se der vacilo, tua música vai cair na internet, hein”. Aí a gente comprou a ideia.

Por que “.org”? Hoje ele é “.org”, porque é mais tranquilo, menos burocrático, e também porque a gente está organizado (risos), mas é um lance de não ter fins lucrativos mesmo. Se disser que o blog é pirata, não é não, não é pirata porque a gente não rouba navio (risos). Mas hoje rola uma coisa de as próprias bandas mandarem seus trabalhos para a gente, até banda gringa. Vem umas coisas bem lado B mesmo, tipo um projeto russo que nos mandou coisas deles. Criamos um Hominis Canidae só para som internacional por causa disso, é o “Hominis Canidae Alt“. Lá é só coisa obscura, às vezes rola coisa mainstream, aí eu ameaço os caras que mexem mais com o blog lá: “cara, tu vai derrubar o blog!”. Mas até agora não rolou nada.

Como é feita a seleção do que entra no blog? Tem critério? Tem e não tem. Eu gosto de algumas coisas e os caras gostam de outras. O único princípio talvez é criar um depósito de bandas nacionais. Entra de tudo: samba, punk, metal, ska, reggae, rap. Eu já escutei coisa que eu não gostei, mas pensei “e se alguém gosta?”. Não vai rolar Restart ou coisa parecida até porque eu acho que as pessoas que leem o blog não gostam. Ou pelo menos eu espero que seja assim. Mas não existe curadoria.

O blog já rendeu algum dinheiro? O lance é democratizar a música. Isso para mim é lucrativo. A ideia nunca foi lucrar, tanto que a gente não usa AdSense porque polui e, por fim, não é o objetivo do blog. Já rolou um site de compra coletiva pedindo pra gente tuitar por eles e aí rolaria uma grana por mês — isso surgiu porque a gente tem bastante seguidores no Twitter (1.969). Agora, o blog gera outras coisas, como, por exemplo, para o Paulo que criou o AltNewsPaper que é um site de resenhas, entrevistas e matérias que ele faz sobre o assunto e a gente sempre linka para o Hominis Canidae. É bom para ele aparecer.

 

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O blog ainda é hobby então? Eu sou biólogo, faço doutorado, mas sempre cobri show e evento, etc. Eu trato completamente hobby. Muita gente me força pra fazer disso o meu trabalho, mas não sei. Uma coisa que queria fazer é um festival só instrumental em Recife e está aparecendo isso por causa do blog. A gente tem ideia de no aniversário do blog fazer festas aqui, em São Paulo e Rio de Janeiro na mesma hora, só com bandas do blog. Mas eu não sou empreendedor, eu só me divirto.

A internet é passagem obrigatória para novos artistas? É o caminho mais fácil. O CD está mais barato de ser produzido hoje em dia, até dá pra tirar um retorno do CD. Ele não pode morrer ainda. Uma banda, Violins de Goiás, que tem sete discos, tem 10 anos de banda e lançaram CD gratuito no site deles ontem e colocaram a opção de pagar pelo CD a uma qualidade maior e com faixa extra. É uma banda que está tentando tirar algo desse meio. Mas ainda é um lance de quem quer ajudar a banda. No início do ano eu vazei um CD do “Burro Morto”, uma banda instrumental da Paraíba, no dia 1º de janeiro para ser simbólico e deu muito certo, foi a banda independente mais falada do mês e os caras deram entrevistas para um monte de veículo. E foram eles que deixaram o disco na minha mão, propositalmente.

Há uma seção de venda de discos… A gente fez essa aba pra linkar selos nacionais com bandas independentes. Porque está difícil de achar discos de bandas alternativas. Nos festivais, onde rolava comprar de todos os selos, hoje tem muito pouca coisa. Mas ainda é rentável fazer CD hoje. Se o preço for justo as pessoas vão comprar.

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Considera o blog famoso? Fama é um troço tão relativo. Eu acho que no meio alternativo talvez seja. No Abril Pro Rock tinha nego que vinha falar comigo dizendo que meu blog é um oásis, etc. A gente tem quase dois mil seguidores no Twitter, isso é ser popular? Não sei. Mas também o objetivo não é ser famoso. O que é legal e que está rolando com o blog é em relação às artes das coletâneas.

De onde surgiu a ideia? Todo mês rola uma coletânea com algumas faixas de discos de banda que entraram no blog. Então é bom pra o cara conhecer mais coisas e ir atrás das bandas em seguida. Porque o blog divulga muita banda, é algo frenético. E a gente precisava de capas para esses CDs que a gente montava. E aí, a gente pediu e começou a aparecer um bocado de gente mandando a arte deles para a gente estampar nas coletâneas. Tenho recebido uma pancada de e-mail de uma galera que faz o desenho e manda. Teve até uma banda que viu a arte de uma das coletâneas e pediu a indicação do cara que tinha feito. Bacana isso. Mas o mais importante é que tudo no blog é alternativo e independente. E a gente está conseguindo misturar as artes.

Como é a relação com os leitores? A gente tem uma média de 650 acessos por dia, depende do mês. Férias vai pra um mil. Aí usamos o e-mail, Twitter, Facebook e Orkut para falar diretamente com as pessoas. Eles mandam sugestões, pedem discos, agradecem, perguntam como achar tal disco para comprar, etc.

Considerações finais? Continue fazendo a roda girar. Eu acho positivo um disco vazar e ver a banda tocar e todo mundo saber as letras, cantando junto. Acho que a gente, a internet, não é mais o patinho feio, as bandas procuram a gente. É um caminho massa. Lógico que ainda tem gente que pensa diferente, tipo a nova ministra da Cultura. Mas acho que para essa galera não tem muita alternativa.

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