Sábado livre: no passo do roteiro

Projeto 'No Passo do Roteiro' publica microcontos no Twitter e nos postes de São Paulo

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Por Tatiana Mello Dias
Atualização:

É possível contar uma história em 140 caracteres? Laura Guimarães prova que sim. Em seu Twitter, @nopassodroteiro, ela conta cenas da cidade em pequenas pílulas. O formato saiu da web e foi para a vida real — e para as ruas. Ela começou a imprimir os microcontos publicados no Twitter e fazer colagens em postes e espaços públicos.

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As histórinhas se misturam ao cotidiano da cidade, e geram novas histórias à medida em que as pessoas interagem com elas. Todo o processo — do antes ao depois, a reação da cidade às histórias — é documentado no blog homônimo.

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Como você começou a escrever microcontos no Twitter? Eu já tinha o blog No Passo do Roteiro, cuja proposta era estudar “O que é um roteiro?”. Postar os meus e descobrir roteiros em coisas que as pessoas não veem como roteiros. Quando abri minha conta no Twitter, não sabia o que fazer com ela. Escrevi umas poucas bobagens, do tipo “o que estou pensando agora”, mas não estava curtindo. Foi quando tive a ideia de aproveitar a ferramenta para exercitar a criatividade e tentar elaborar ceninhas curtas que coubessem naqueles 140 caracteres. Chamo de microrroteiros, pois o exercício é escrever para que as pessoas visualizem cenas. Roteiros para imaginação. Escrevo na hora que a inspiração vem, muitas vezes no meio da rua. Escrevo num caderno ou papel qualquer e já fiquei contando letra por letra pra ver se vai caber. Se não cabe, tem que cortar. Uso muitas vezes o recurso “vc” “tb”, afinal, já que teve na origem na web, está valendo.

O que te inspira a escrever? Principalmente cenas da cidade. Tanto que quando dá vontade de escrever e estou sem inspiração, vou dar uma volta ou espiar pela janela. Sempre aparece alguma cena ou personagem que inspira. Na verdade, faço isso desde pequena — ficar imaginando cenas nas cenas da cidade. Os microrroteiros foram uma forma de aproveitar essa mania. Pode contar alguma cena? Me propus a encontrar uma cena no percurso da minha casa até o trabalho. Andei dois quarteirões e dei de cara com uma menininha do lado de dentro de um portão, daqueles que ficam bem perto da porta, só com um espacinho entre eles, segurando as grades com as duas mãos, com a cabeça encostada nelas, olhando a rua. Tristinha… imagem linda. Aí escrevi esse: “Presa. Atrás das grades. Uma tristeza imensa de não tá lá fora. A mãe dizia que era perigoso, mas já tinha 6 anos.”

Quando os microcontos foram para a rua? Em julho ou agosto do ano passado. A ideia era juntar essa história de “cenas pra imaginar”, com uma paixão antiga — arte na rua, arte acessível. Achei que poderia ser interessante as pessoas terem algo pra ler, quem sabe imaginar, enquanto esperam o ônibus ou o farol fechar pra poder atravessar a rua. Que talvez fosse melhor do que olhar pro nada ou pra um poste cinza.

Onde é possível encontrá-los? A maioria foi pintado de cinza ou arrancado ou tapado por um lambe-lambe de propaganda, como qualquer lambe-lambe. Mas ainda tem na Avenida Sumaré e na Rua Augusta (ambas em São Paulo).

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Você já teve algum problema com as colagens na rua? Depois das eleições no ano passado, o negócio ficou mais pesado. A última vez que colei, fui sozinha, e um cara começou a discutir comigo, falou que eu tava sujando a cidade. Pense na sujeira que tava em volta da gente. Foi bem tenso, porque eu estava sozinha, ele falando que o que eu estava fazendo era crime. Não concordo que poste cinza é melhor que texto ou desenho, mas essa lei esquisita existe e eu fiquei com medo de a polícia chegar, eu ali sozinha. É difícil conseguir gente para colar comigo, as pessoas gostam, mas não é a prioridade delas. Uma coisa que me deixou bem triste foi a história de pintarem de cinza. Na (praça) Benedito Calixto, por exemplo, ficou meses e meses sem ninguém mexer. E praticamente só tinha os meus lambes com os micros nos postes. Um dia, estava tudo pintado de cinza.

Como as pessoas interagem com os microcontos? Algumas histórias estão no blog… Fora a vez que o cara veio discutir comigo, sempre foi legal. A maioria finge que não vê quando você tá colando, mas tem gente que para para ler na hora, comenta. Já teve um senhor que brincou comigo falando “Eu não gosto!” quando eu colava um micro sobre samba e completou “não gosto de samba!”, dando risada. Uma menina que me viu colar veio me dizer que sempre via os lambes no caminho paro trabalho e adorava. Tinha até falado paro pessoal da faculdade dela. Qual é a diferença na recepção dos microcontos no Twitter, por exemplo, e na rua? Para ser sincera, eu não sei como é a recepção no Twitter. De um em um, quase sempre tem gente nova adicionando, mas não costumam me dar retorno, entrar em contato. Tive poucos até hoje. Tenho mais retorno quando posto no Facebook, que os amigos comentam. Na rua tive bastante. Gosto muito dos micros na rua por ter misturada essa questão de arte de rua, e por imaginar que talvez eles possam ter gerado outras histórias, mesmo que pra imaginação, na hora, de alguém que demora três horas por dia pra chegar em casa. A maioria acho que nem vê. Mas vai saber, né?

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