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Sábado Livre: quadrinhos em revista

Um mineiro decidiu digitalizar seu acervo de mais de duas mil revistas em quadrinhos e compartilhar na web, daí surgiu o blog Quadrinhos Antigos

Por Murilo Roncolato
Atualização:

“Justin” tem medo de que, em algum momento, alguém se irrite com o seu hobby. Desde criança, o mineiro de Belo Horizonte lê conversas em balõezinhos, sabe que sons podem ser traduzidos em palavras como “BLAM”, “POW” ou “KLIK” e, sobretudo, aprecia uma boa história contada com o auxílio de bons traços.

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Justin compra e troca revistas em quadrinhos com seus amigos desde que tinha 6 anos até hoje, com 35. Fora a paixão, uma coisa essencial mudou em todo esse tempo: a maneira de compartilhar. Antes, combinava-se: “eu compro a do ‘Fantasma’ e você a última do ‘Batman’, quando cada um acabar a gente troca, pode ser?”. Hoje a coisa se dá de um modo mais virtual.

O analista de sistemas teve a ideia de digitalizar seu acervo de mais de duas mil revistas em quadrinhos e compartilhar com os interessados na arte pelo seu blog, “Quadrinhos Antigos”, atualmente com cerca de 500 visitas diárias.

Seguindo o protocolo do bom mineiro, Justin prefere ficar na dele, e não ter o nome verdadeiro revelado, para que assim não tenha problemas com quem talvez possa achar ruim a prática do escaneamento, revitalização das imagens, preservação e compartilhamento da cultura de quadrinhos por aí. Quietinho, Justin continua (leia a entrevista abaixo).

 

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Quando e como começou o blog? Em 2009, eu tinha uma coleção antiga de revistas e eu queria digitalizar para não perder por desgaste. Era uma questão de preservação. Com isso eu tive a ideia de compartilhar aquele material todo. Pensei no blog, criei o nome, fiz a parte visual e comecei. Na época havia outros sites sobre quadrinhos, mas eram mais voltados para produções atuais. Era difícil achar algum com a preocupação de resgate de coisas antigas. A partir disso, o blog começou a ter leitores que começaram a enviar material também, então a coisa foi aumentando.

Desde quando existe esta tua relação com quadrinhos? Eu aprendi a ler com quadrinhos. Aí você imagina: eu devia ter uns seis anos. Lia muita coisa da Disney – Pato Donald, Mickey, Tio Patinhos, Zé Carioca. Disso parti para os de herói, como Fantasma, Homem-Aranha, Batman, Watchman daí fui para V de Vingança e Sandman, meu preferidos. E na minha época todos os meus amigos colecionavam revistas, e havia uma prática de emprestar a tua revista para o teu amigo e ele te emprestava uma outra, o que era bom para não ter que comprar todas. Aliás, eu acho que essa ideia de compartilhar minha coleção pela internet é justamente uma tentativa de reavivar essa prática de empréstimo.

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Qual o tamanho do seu acervo? Eu creio ter umas duas mil revistas mais ou menos, todas dentro de um saquinho plástico para evitar traça, fungo. Tem até uma ou outra em inglês e francês. Eu lembro que comprei uma série em inglês do Monstro do Pântano (Swamp Thing), porque a edição brasileira era de péssima qualidade. Mas eu ainda não digitalizei todas. Porque o processo é o seguinte: eu pego a revista, digitalizo página por página, faço o tratamento de imagem no computador e depois tem que compactar cada uma em .cbr (formato que permite que com um programa simples como o CDisplay seja possível ver o arquivo como uma revista na tela do computador). Dá muito trabalho e eu faço tudo sozinho.

Qual a audiência do blog? E com os downloads? Hoje são mais ou menos uns 500 acessos por dia. Tem gente de Pernambuco, Espírito Santo, Goiás, Brasilia, Rio de Janeiro, São Paulo. E, sim, o pessoal baixa bastante. A revista mais baixada é o Manual do Escoteiro Mirim, aquela edição da Abril do livro que os sobrinhos do Donald usavam de consulta. Ele já passou dos dois mil downloads.

Quanto tempo você gasta com o blog? Quando eu comecei o blog eu estava fazendo faculdade, então eu tinha bastante tempo livre. Hoje eu trabalho em período integral – sou analista de sistemas –, então reduzi bastante, calculo que, por semana, eu gaste umas 6 horas. A verdade é que cuidar de blog dá muito trabalho, já chamei gente para trabalhar comigo, mas ninguém se compromete. Enquanto isso, a fila para tratamento de imagem vai ficando gigantesca.

Nunca recebeu alguma proposta de anúncio? Já apareceu gente querendo anunciar, mas a questão é que o blog não tem fins lucrativos e eu declinei a proposta por causa disso. Nunca li muita coisa sobre direito autoral, mas eu sei que, aqui no Brasil, compartilhamento é associado à pirataria quando alguém lucra com a troca, por isso aqui tudo no meu blog é livre. Ele é só o meu hobby.

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Como vê a indústria de quadrinhos hoje no Brasil? A maioria dos quadrinhos são internacionais, mas hoje tem muita coisa boa sendo feita aqui dentro. No passado não havia isso. Tem acontecido muita adaptação de livros de literatura antigos, como A Relíquia do Eça de Queiroz, para quadrinhos. Tem também aqueles dois artistas de alta qualidade, Gabriel Bá e Fabio Moon, são muito bons e são brasileiros. Mas por algum motivo os preços estão aumentando muito, de uma arte popular, acessível, os quadrinhos estão virando objeto de consumo de uma elite. Antigamente eu comprava quadrinhos com o troco da merenda.

Não sabe as razões para esse encarecimento? Hoje a televisão, a internet e os jogos de videogame meio que tomaram o lugar dos quadrinhos. Então o público caiu. Até o Mauricio de Sousa que é campeão de vendas, já reconheceu baixas na tiragem. Mas eu não vejo a internet como um inimigo do papel. Muitos leitores já me disseram que o blog acordou uma parte da infância deles, quando eles liam revistas, e, por ler no computador, passaram a comprar as edições em papel. Ou então crianças que também começaram lendo na internet e passaram a comprar. Eu mesmo, recentemente, baixei um quadrinho do Robert Crumb, chamado Gênesis; gostei e fui comprar o livro em papel.

 

Acha que os quadrinhos foram deixados de lado pela indústria? Às vezes eu acho que sim. As editoras cresceram em cima dos quadrinhos e agora parece que não é tão importante assim. Há o problema de o mercado de quadrinhos no Brasil ser dominado por algumas poucas editoras. E hoje o brasileiro já tem uma visão diferente sobre os quadrinhos. Já se sabe que os quadrinhos não são e nem nunca foram coisa de criança. Esse preconceito, pelo menos, já não existe.

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Como você seleciona o que sobe no blog? Eu não coloco nenhuma revista que tenha sido publicada nos últimos 10 anos, nem coisa do Mauricio de Souza, porque ele está relançando todas as antigas publicações dele, quadrinhos de terror muito pesado e quadrinho erótico eu não subo também, porque eu tenho um público infantil no blog. Mas para entrar, o critério é ser antigo e ser quadrinho.

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