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Digital, a música deixa de ser produto e vira serviço – e o streaming ganha o lugar do download

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Por Tatiana Mello Dias
Atualização:

Faz um tempo que a música está online. Além de comprar um CD ou baixar um arquivo, surgiu uma terceira opção: escutar um disco sem tê-lo: os arquivos ficam gravados em servidores externos. O modelo prosperou e hoje é visto como o filão mais promissor do ainda incipiente mercado de música digital.

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É que, entre os modelos de consumo de música que já surgiram, o streaming parece ser o que mais deu certo. Tome como exemplo o Spotify. O site sueco criado em 2007 já é uma das maiores empresas de internet no mundo. Um milhão de pessoas foram convencidas a pagar por música – dos 10 milhões de assinantes, 10% optam pelo modelo pago. Isso só na Europa.

Por trás do Spotify está a emblemática presença de Sean Parker, um dos criadores do Napster e investidor da web – hoje talvez mais conhecido como o investidor do Facebook interpretado por Justin Timberlake no filme A Rede Social.

Ele disse em um debate no ano passado que o Spotify é uma forma de “consertar o estrago que comecei com o Napster”. “Temos de criar um novo modelo.” Para Parker, o streaming dá às pessoas o que elas querem: conveniência e acessibilidade. Ouvir música quantas vezes quiser, de graça, a partir do seu computador.

Só que o Spotify ainda não conquistou um território crucial para determinar seu futuro. Faltam os EUA. O serviço ainda não chegou a um consenso com as gravadoras para custear os direitos autorais e garantir sua legalização por lá. Mas Parker já mexeu seus pauzinhos: ele acaba de se tornar, junto a um grupo de investidores, acionista da Warner e, assim, tem voz ativa em pelo menos uma das grandes gravadoras que precisará convencer.

Google e Amazon seguem a mesma trilha. Em palestra recente, o presidente da Motorola, Sanjay Jha, deixou escapar que o Google lançará um serviço de música para smartphones e tablets. “Se você olhar para os serviços móveis do Google, há o de vídeo, há o de música, quer dizer, vai haver um serviço de música”, disse. O player para Android acaba de ser atualizado – e, na versão 3.0, o streaming ganhou o espaço mais nobre do display.

Os passos da Amazon são mais concretos. A empresa acaba de anunciar o CloudDrive, serviço online de armazenamento em que usuários podem guardar até 5 GB de conteúdo de graça e acessá-lo de qualquer dispositivo. Dá para comprar ainda mais espaço – até 1 TB. E, com ele, o CloudPlayer, aplicativo que permitirá a reprodução de músicas armazenadas ali. É possível, por exemplo, criar listas de reprodução. O CloudPlayer já está disponível para celulares Android.

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No Reino Unido, a Universal deve lançar em breve um serviço streaming com a Virgin Media. “O streaming é diferente de download. Você está falando da compra de 175 milhões de músicas avulsas ao ano no mercado de downloads comparadas a 7 bilhões de transmissões de música por streaming pago”, diz David Joseph, principal executivo da Universal. “Streaming e modelos de assinatura são o futuro do negócio.”

“Nos EUA, o download unitário funciona bem por causa do iTunes. É uma solução verticalizada, mas é um player da Apple que deu certo, tem preço acessível, tudo direitinho. No Brasil, com toda a relação da cadeia de valores, o download unitário fica caro”, explica Miguel Cariello, gerente do Escute, serviço de música online da Som Livre. O site tem assinaturas que variam de R$ 5 a R$ 15 para acesso ao catálogo em streaming e download. “Ao sair do modelo de entrega de produto e passar para um modelo de serviços, chega-se a um preço mais justo para o consumidor, além de manter todo mundo remunerado.”

Carrielo não diz quantos assinantes o serviço tem. O número é baixo, diz ele, porque o serviço acabou de estrear e o consumidor ainda está “começando a entender” o modelo. “A gente ainda tem a coisa de ter a música no computador. Mas, mesmo assim, o streaming é a grande execução.” Segundo ele, 80% do público opta pelo plano de R$ 15, que permite acesso a todo o catálogo (três milhões de músicas) em streaming e download.

Além do Escute, há também o Sonora, do Terra, e sites como o Kboing, que fornecem diferentes maneiras de consumir música. Mas os dois maiores – o Sonora e o Escute – têm “uma lista grande de desrespeito ao consumidor”, segundo estudo inédito do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec). O instituto avaliou os serviços Escute, Sonora e UOL Megastore (que não tem streaming) e percebeu problemas como arquivos cujo DRM bloqueia o uso após o fim da assinatura ou a transferência de arquivos do PC para o celular e a exigência do pagamento de um pacote para quem quer adquirir apenas uma música.

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No entanto, acima de todos os problemas, está a propaganda que leva o consumidor a pensar que o serviço ilimitado – quando, na verdade, ele é cheio de restrições. “A propaganda é uma tentativa de retomada da indústria fonográfica, que perdeu muito por fazer essa campanha contra quem faz download”, diz Guilherme Varella, advogado do Idec. “A lei de direito autoral abre essa margem para a empresa atuar de forma abusiva”.

Parece simples: basta um modelo fácil e acessível para que a música digital vire um bom negócio, certo? Nem sempre. Boas intenções existem, mas um fator que restringe a criação de novos serviços e a universalização dos que já existem: os direitos autorais. “É trabalhoso. Lá fora todos trabalham com copyright: usa e paga. Aqui, tem de pedir autorização para depois vender. Sofremos com a burocracia”, diz Miguel Cariello, gerente do Escute.

No Brasil, a cobrança por direitos autorais é feita pelo Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad), que criou, no ano passado, um mecanismo específico de cobrança pela execução e transmissão de música digital. O cálculo é trabalhoso. O Ecad tem várias tabelas para definir o valor do pagamento.

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Um site como o Spotify, que tem como principal serviço a música e é lucrativo, teria de pagar 7,5% de sua renda ao Ecad por mês (o valor mínimo estipulado pelo escritório é R$ 2.348). O Spotify poderia arcar com isso; mas uma startup que esteja tateando o mercado, talvez não. Os meios digitais representam menos de 1% da arrecadação do Ecad, mas são um dos segmentos que mais crescem. “Estamos desbravando essa área agora”, explica Márcio Fernandes, gerente de arrecadação do Ecad.

Os maiores arrecadadores na área digital são o YouTube e o Kboing, serviço de músicas custeado por publicidade. Mas o filé mignon é o acordo com o Google, firmado em 2010 e que rende ao Ecad o equivalente a 2,5% do faturamento do YouTube no Brasil.

O valor, claro, não vai para todos os músicos que têm músicas ali. O Ecad adotou uma regra de distribuição que leva em conta o número de acessos. A distribuição dos recursos é baseada nos rankings do YouTube. O Ecad definiu uma linha de corte: só é pago o artista que tiver um número de views suficiente para receber pelo menos R$ 1.

Ou seja: quem mais lucra com direitos autorais no maior acordo de música digital já firmado no Brasil é, quem diria, Justin Bieber. Os artistas pequenos não recebem nada. “A gente não tem como pagar todas as músicas”, justifica Fernandes.

Para ele, o grande passo do acordo não é a verba, mas o fato de que o Google aceitou a lei brasileira. “O Google se apropria de conteúdo, pega brechas jurídicas, e aqui entendeu que a lei é precisa”, diz. O acordo, para ele, é “um grande passo para incluir os artistas que estão de fora”. “Quem compõe com seriedade pode encarar a internet como uma possibilidade, mas é preciso se filiar e declarar as suas músicas. A gente vai aumentar os rankings”.

Um quarto do conteúdo de vídeo consumido nas casas dos EUA é via streaming. O mercado de transmissão online é promissor também para a indústria cinematográfica. Nesse cenário, seis em cada dez filmes vistos por streaming são da Netflix, que era uma locadora de DVDs via correio e hoje é um serviço com mais de 20 milhões de assinantes.

A produtora e distribuidora Miramax acaba de fechar acordo com a Netflix – estimado em US$ 100 milhões – para dispor seus filmes no site. Estima-se que a Netflix valha hoje cerca de US$ 10 bilhões; e o segundo gigante do mercado, o Hulu, US$ 2 bilhões.

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Segundo a consultoria ABI Research, o mercado de vídeos online deve movimentar US$ 16,1 bilhões entre serviços pagos e publicidade.

A Amazon, que acaba de lançar um serviço de armazenamento online, apresentou sua resposta à Netflix: fornecerá filmes e programas de TV em streaming para clientes premium, usuários que pagam US$ 79 ao ano para ter acesso a 5 mil títulos.

O Google também deve entrar nesse mercado, via YouTube. Segundo o Wall Street Journal, deverão ser criados 20 canais de conteúdo exclusivo no site, com categorias como esportes e arte, com programação semanal. A ideia é que as pessoas assistam vídeos na web como fazem na TV. A empresa deve investir US$ 100 milhões no projeto.

Os serviços ainda estão distantes do Brasil. Mas há rumores de que a Netflix estaria vindo para cá. Recentemente, em seu site de oferta de empregos, a empresa avisou que está se preparando para uma “rápida expansão internacional” e exigia dos candidatos fluência em inglês e línguas como alemão, francês, italiano, japonês, coreano, português e espanhol – pistas das regiões para as quais pretende se expandir.

—-Leia mais:Link no papel – 11/04/2011

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