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Opinião|Sem pressa...

Pode ser esmola demais uma regulação apressada, dividida entre governo e mercado

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Atualização:
Zuck acredita que chegou a hora de se submeter à regulação Foto: Tom Brenner/The New York Times

É visível que a internet trouxe sérias rupturas no que conhecíamos (ou achávamos conhecer) como o “velho mundo”. A tentativa de remendar o que vemos nesse novo ambiente pode ser tão infrutífera como tampar furos de uma peneira colossal. Resta buscar entender o que se passa, para caminharmos, e de que recursos podemos lançar mão com eficiência.

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A intercomunicação ampla e involuntária é uma das dramáticas novidades. Os primeiros exemplos de algo “não explicitamente desejado” vieram com o hoje algo ingênuo “spam”, quando alguém tentava nos vender algo. A evolução, via redes sociais, foi bem mais insidiosa. Trata-se não de vender quinquilharias, mas arrastar-nos a discussões sobre qualquer tema, incluindo os que ignoramos. E atendendo a esse tentador convite, todos falamos, alguns escutam, muitos se manifestam, alguns ofendem e, por seu lado, todos se sentem ofendidos. Há como mitigar? Será que o uso de receitas e tisanas antigas ainda daria resultado na era das redes?

Parte do arsenal canônico é a legislação nacional e uma eventual e judiciosa regulação do mercado, quando necessária. E aí é que a “porca torce o rabo”: com a ausência de fronteiras físicas, a ação local, mais do que resolver o problema, fará apenas com que ele mude seu local original de ação. Pode-se buscar estender o braço da lei para fora das fronteiras – o que parece ser pretensão da Comunidade Europeia em certos casos –, mas gerando possíveis conflitos de soberania.

A grande maioria dos abusos parece originar-se nas plataformas de poucas empresas, que hoje dominam um mercado altamente concentrado. Antes de discutir se essas empresas devem ou não se arvorar em censores do comportamento alheio, reconheça-se que elas têm os meios para fazer isso, não apenas retroativamente, mas como “prevenção”. 

Em abril, lemos que uma das líderes do mercado pedia ao governo de seu país-sede “mais regulação”. Colocava-se “à disposição” para discutir as melhores regras que deveriam ser seguidas para coibir usos e manifestações inadequados. Se esse movimento, originado em quem lidera o mercado, poderá parecer “inesperado” a alguns, uma análise mais extensa pode jogar alguma luz. 

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O primeiro resultado de uma ação negociada de “autocontrole” é obter uma segurança jurídica para o regulado, além de melhora na imagem. Afinal estaria demonstrada a “boa vontade” ao envidar esforços que mitiguem “abusos”. Uma segunda consequência, não tão óbvia, é proteção competitiva, aumentando a barreira de entrada para novos atores: afinal, quem teria poder de fogo para alocar recursos humanos e ferramentas de inteligência artificial que deem conta do recado? Uma efeito adicional é passar a tratar uma aplicação comercial, mesmo que líder no mercado, como algo que encarna “interesse público”.

A busca de soluções adequadas aos nossos males é complexa, mas há que se evitar o canto de sereia de uma regulação apressada, compartilhada entre governo e grandes agentes no mercado. Pode ser “esmola demais”.

Quanto à legislação adicional e eventual regulação, há que se ir com ponderação. Para que medidas de controle sejam efetivas, precisamos entender melhor o fenômeno e seu entorno. Vale aqui o que o imperador Augusto aconselhava quanto a açodamento: “festina lente” ou “apressa-te devagar!”. 

Opinião por Demi Getschko
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