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Opinião|Siga o dinheiro

Se há várias esferas públicas, será possível voltar a eleger um presidente ‘consensual’, como foram Fernando Henrique e Lula?

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Manifestantes dispararam rojões contra o STF no fim da noite de sábado; Corte investiga manifestações antidemocráticas Foto: Reprodução

Seja pelo inquérito de fake news, seja pelo que investiga as origens dos atos antidemocráticos, o STF pegou o caminho recomendado por nove entre dez especialistas que lidam com noticiário falso: siga o dinheiro. Se tudo der certo e aqueles responsáveis por financiar a falsificação da realidade para desorientar o eleitor forem pegos e responderem pelo crime, outros pensarão duas vezes. Mas as mudanças tecnológicas nos obrigam a encarar duas questões cruciais difíceis para o futuro da democracia brasileira.

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O primeiro é um ponto em geral pouco compreendido a respeito de fake news. O problema não são as notícias falsas per se. Elas causam dano pontual, mas o impacto maior está no conjunto e no ambiente que permite sua distribuição.

Este é um ponto que o físico Augusto de Franco, um geek de democracia que mergulhou no tema a ponto de conhecê-lo com profundidade ímpar, chama atenção. Em toda história deste ciclo democrático que se iniciou na Inglaterra do século 17, tivemos sempre uma esfera pública. Um ambiente comum no qual as opiniões sobre os temas relevantes da sociedade eram debatidos. Panfletos no século 18, conversas nos cafés do 19 ou as ondas de rádio e TV no 20, o debate sempre teve como premissa um conjunto comum de fatos a respeito do qual todos concordavam.

O que as plataformas de mídias sociais e apps de mensagens criaram, neste século 21, são várias esferas públicas. Não uma ou duas — várias. Cada comunidade de interesses comuns tem a sua própria, acompanhada de premissas particulares e seu conjunto de fatos. Em essência, a sociedade se dividiu em tribos e cada uma vive numa realidade própria.

É por isso que fake news muitas vezes soam absurdas por completo a um grupo e, no entanto, parecem plausíveis a outro. Este ambiente de várias esferas públicas é o que viabiliza guerras culturais, choques de valores profundos nos quais nos metemos. Jair Bolsonaro, cá no Brasil, é um presidente minoritário. Chegou ao Planalto levado por pouco mais de um terço dos eleitores aptos e hoje conta com, de acordo com a maioria das pesquisas, algo mais próximo do um quarto dos brasileiros. E caindo.

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Se há várias esferas públicas, porém, cada qual com sua visão muito particular da história recente do país, cada uma num contínuo espanto perante a ‘cegueira’ de todos os outros que não pertencem à tribo, uma pergunta se impõe. Será possível voltar a eleger um presidente razoavelmente consensual como foram, em suas primeiras eleições, Fernando Henrique e Lula? E, se estamos para encarar um futuro de presidentes minoritários, será que a democracia aguenta o tranco? O problema não é apenas brasileiro.

A manipulação de notícias falsas pode ser contida com a aplicação da lei. Mas a fragmentação da realidade é bem mais complicada.

De qualquer forma, cá no Brasil teremos outro debate pela frente. E tem a ver com liberdade de expressão. Na segunda metade do século 20, os EUA formaram uma visão bastante tolerante com opiniões mais radicais. A Europa, não. A diferença está no fato de que os europeus reconheceram em si um bug cultural. 

Populistas e demagogos que exploram preconceitos longevos, principalmente o antissemitismo, em momentos de crise são capazes de mobilizar as massas e promover e por em risco a democracia. Não é paranoia. Aconteceu agora, na Hungria, onde Viktor Orbán assumiu poderes totais. Sua ascensão começou explorando justamente este veio, apontando para o investidor George Soros como, no passado, os nazistas apontaram para os banqueiros da Casa Rothschild.

Cá no Brasil temos também o nosso bug cultural, que volta e volta e põe em risco a democracia. É o chamamento por intervenção militar. 

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