Tecnologia é aplicada no combate ao câncer no País
Algorítimos entram em ação no diagnóstico e auxiliam na criação de tratamentos de quimioterapia
02/12/2018 | 03h00
Por Bruno Romani - O Estado de S.Paulo
No Brasil, pacientes em tratamento contra câncer já vêm recebendo ajuda da inteligência artificial. Hospitais, gigantes da tecnologia e startups em diferentes partes do País aplicam o poder dos algoritmos contra a doença.
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A Microsoft, por exemplo, tem uma parceria desde 2017 com o Grupo Oncoclínicas. Nela, o cérebro eletrônico pode entrar em ação durante tratamentos de radioterapia e quimioterapia. No primeiro caso, a inteligência artificial ajuda os médicos a delimitarem a área na qual a radiação será direcionada. A máquina consegue reduzir o tempo da análise de “algumas horas” para poucos minutos.
Apresentação do sistema IBM contra o câncer
No segundo caso, o computador faz correlações entre diagnósticos de pacientes diferentes. O objetivo é que o médico possa encontrar a forma de tratamento mais adequada para cada perfil. Supostamente, a máquina tem uma memória mais vasta que a do médico, e consegue “se lembrar” de tratamentos de maior sucesso em determinados perfis de pacientes. Assim, o médico poderá escolher a droga mais adequada e o número de sessões mais eficiente.
O Instituto do Câncer do Ceará, em Fortaleza, conta com ferramenta parecida, desenvolvida pela IBM. O IBM for Oncology cruza dados dos pacientes com um grande banco de dados composto por artigos científicos e registros de casos já tratados por hospitais e instituições. A curadoria do banco fica a cargo do Memorial Sloan Kettering, nos EUA. O cruzamento das informações permite a busca por tratamento mais personalizado.
A mesma ferramenta também está disponível no Hospital do Câncer Mãe de Deus, de Porto Alegre.
Entre as startups está a Onkos, de Ribeirão Preto, que criou uma ferramenta que consegue descobrir a origem de um tumor que se espalhou.
Novamente, muitos dados são colocados em ação. A partir de uma biópsia, o sistema compara o comportamento de genes a um banco com informações de mais de 4 mil pacientes. Dessa maneira, identifica o tipo de tumor, o que permite um tratamento mais eficiente.
A paulistana Predict Vision também está construindo uma plataforma de análise de imagens de tumores para direcionar o tratamento.
Segundo o último levantamento realizado pelo Instituto Nacional de Câncer (Inca), o Brasil deve registrar cerca de 600 mil novos casos de câncer até o fim deste ano.
Cursos ensinam médicos a usar inteligência artificial
Importância crescente da tecnologia na medicina e falta de mão de obra especializada motivam universidades e empresas a treinar profissionais
Igor Teodoro, estudante de medicina da USP de Ribeirão Preto, participa do grupo de futuros médicos que estão sendo treinados para entender a inteligência artificial
Além de falar com humanos, o médico do futuro vai ter de saber conversar com máquinas. Com a inteligência artificial (IA) ganhando terreno na medicina, seja na oferta de diagnósticos mais precisos ou na promessa de tratamentos cada vez mais individualizados, universidades e empresas começam a oferecer cursos no Brasil para que os doutores consigam dominar essa tecnologia.
O treinamento de médicos em IA – definida por sistemas complexos de computação que aprendem e oferecem soluções de forma autônoma – não é novidade só por aqui. Apesar de universidades de medicina ao redor do mundo terem contato com a tecnologia, é mais comum que a IA seja abordada em áreas de pesquisa, e não de formação.
Em Ribeirão Preto, em São Paulo, o Instituto de Inteligência Artificial Aplicada (I2A2, na sigla), que mantém parcerias com gigantes da tecnologia, como IBM e Nvidia, criou um grupo com estudantes das faculdades de medicina da região para se aprofundarem no uso da IA.
Os cinco participantes do curso – que tem duração de dois anos e é gratuito – foram selecionados entre 30 nomes indicados pelas faculdades como “acima da média”.
Entre eles, tem gente já patenteando invenção, outros que passaram no vestibular das melhores faculdades de medicina do País e até um campeão de olimpíada de astronomia. “Entender a inteligência artificial significa que não estarei apenas entre os impactados, mas entre aqueles que causam impacto”, diz Igor Teodoro, 22 anos, estudante da USP-Ribeirão Preto. “Não estamos ali para virarmos programadores. Estamos ali para entender sobre IA, entender como funciona e, possivelmente, enxergar aplicações dela na saúde.”
Todo sábado, entre 9h e meio-dia, os garotos do grupo aprendem áreas como ciência de dados, linguagem de programação, machine learning, deep learning e matemática aplicada – todas fundamentais para entender como funciona o cérebro eletrônico. “A ideia é poder atrair outros médicos interessados na área”, diz Evandro Barros, um dos fundadores do I2A2.
O objetivo, tanto da escola quanto das empresas, é formar mão de obra especializada. E isso se justifica. No cenário global, a falta de especialistas em inteligência artificial vem colocando as cinco gigantes da tecnologia (Amazon, Apple, Facebook Google e Microsoft) numa corrida frenética de contratações no mundo todo, muitas delas de pessoas que mal saíram da universidade. É comum que essas gigantes também promovam aquisições de startups de IA apenas para poder contratar o talento humano por trás delas.
Aplicação. Na área médica, a IA empolga principalmente no processo de diagnósticos. A tecnologia já consegue, por exemplo, detectar câncer de pele com maior precisão que médicos especializados, segundo um estudo da Universidade de Heidelberg (Alemanha). Outro sistema, desenvolvido pelo Google, é capaz de reconhecer mais de 50 tipos de doenças oftalmológicas ao analisar imagens de exames dos olhos.
Com tanta eficiência, houve quem imaginasse que o cérebro artificial pudesse até substituir completamente humanos em algumas tarefas. Mas, no caso da medicina, há restrições.
“Eticamente, o Conselho Federal de Medicina jamais permitiria um sistema eletrônico trabalhar sozinho, mas o médico terá de aprender a interagir com sistemas cognitivos, com capacidade de raciocínio e decisão”, diz Renato Sabbatini, ex-chefe da área de informática médica da Unicamp. Sabbatini tem um curso à distância pelo Instituto Edumed, que aborda vários aspectos da informatização da medicina. Inteligência artificial no auxílio em diagnósticos é o tema de um dos módulo do curso.
Nos Estados Unidos, para ajudar médicos curiosos, o MIT lançou alguns cursos na área. Um deles é presencial, acontece no campus em Cambridge, no Estado de Massachussetts, e prepara o médico para lidar com desafios importantes diante do cérebro eletrônico. Entre eles, estão a incompatibilidade entre sistemas, dados insuficientes ou ausentes, e pacientes com condições raras. A escola oferece também um curso online pela plataforma MIT Open Courseware.
Teste nacional. Atualmente, hospitais e clínicas no Brasil já adotaram em caráter experimental a inteligência artificial (leia mais abaixo). “Em algum momento, todo médico brasileiro vai ter de aprender a trabalhar com inteligência artificial”, diz Alexandre Chiavegatto Filho, professor da Faculdade de Saúde Pública da USP.
Para ele, a importância de se ter médicos treinados no Brasil está no fato de que, assim, será possível adaptar os modelos de inteligência artificial estrangeiros para a população nacional.
É comum que os algoritmos usados no diagnóstico de doenças tenham sido criados e testados em populações estrangeiras, com características diferentes das nossas. Para a inteligência artificial funcionar bem, é importante se ter um grande volume de dados a respeito daquilo que se pretende estudar. Adaptar esses modelos com dados nacionais é garantia de que o cérebro eletrônico vai funcionar corretamente no País.
Chiavegatto vai ministrar um curso presencial em IA em fevereiro na USP, em São Paulo. Junto com a universidade, ele também já está tornando disponível no YouTube uma série de vídeos sobre inteligência artificial na saúde.
Para o professor, a contar a importância crescente da tecnologia na medicina, é bem provável que, nos próximos anos, o assunto não seja só tema de cursos específicos, mas que vire matéria obrigatória no currículo das faculdades de medicina.
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