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Tem que ter um limite de manipulação""

Conheça o publicitário por trás do blog Coma com os Olhos, que prova que você não come o que vê na foto

Por Tatiana Mello Dias
Atualização:

O sanduíche veio amassado? O recheio da bolacha não é tão farto como o da foto? A embalagem vem recheada de ar? Você também já deve ter se decepcionado ao abrir o pacote e ver um alimento completamente diferente daquilo que estava na propaganda. Muitas dessas frustrações são divulgadas, desde 2008, no blog Coma com os Olhos, mantido por “diversão” por um publicitário de Sorocaba (interior de SP).

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O blog já gerou casos ilustres. O último deles é também o mais polêmico e fez que a gigante Nestlé voltasse atrás na divulgação de um produto. Trata-se do Alpino Fast, bebida de chocolate que, embora use o nome ‘Alpino’, trazia na embalagem os dizeres ‘não contém Alpino’. Pois é. Não foi só você que achou a história estranha. A repercussão do caso fez a empresa tomar providências.

Mas o blog não vive só de polêmicas. Dos tempos de Blogspot ao domínio próprio, o CCOO conquistou um batalhão de leitores fiéis que comentam e enviam sugestões de posts e também a confiança de algumas marcas.

Conheça o “sr. CCOO”, ou Itamar Taver:

Por que você começou o blog? Surgiu como diversão. Eu sou publicitário, trabalho numa agência até grande e sempre vivi nesse universo. Há quase dois anos, eu recebi um e-mail de um amigo com um site alemão que fazia mais ou menos isso: eles pegaram 100 alimentos, comidas prontas, e compararam o produto real com a foto da embalagem. Mas eram só imagens e só desses 100 produtos. Começamos a comentar ‘que absurdo’ e a lembrar dos produtos brasileiros. E aí tivemos a ideia de fazer essas comparações. Eu já tinha mania de tirar foto do que eu comia e acabei montando o blog. Foi uma brincadeira que tomou uma proporção maior do que eu imaginava.

Existiu algum ponto de mudança? Quando você percebeu que o tema era sério? Foi quando o blog passou a ser mais sério, levando mais para o lado da defesa do consumidor. Quando há um caso mais complicado, eu entro em contato com o SAC da empresa me fazendo passar por um consumidor comum, até para as pessoas terem noção de como são tratadas. Comecei a ter muito acesso, a ser citado. O blog cresceu. Antigamente era Blogspot, então comprei um dominio proprio. E ele tomou uma proporção maior.

Como é sua relação com as marcas? Eu nunca recebi material de degustação. Mas sei que eles sabem que eu existo. E, pô, mostrar a verdade é complicado. As empresas ainda vêem isso com receio. Eu nunca fiz isso de receber um produto e postar no blog falando que é bom. Nunca. E nunca vou fazer, porque o blog não é minha renda. Continua sendo uma diversão, apesar de ter ficado sério.

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O da esquerda é o da embalagem. O da direita…  Foto: Estadão

Você tem uma relação bem próxima com o público, né? Muita gente manda textos. Os que têm qualidade, eu publico. Tem também um grande número de comentários. Percebo pelo feedback que é um publico um pouco mais qualificado, diferente de outros blogs. Porque meus leitores acrescentam informações.

Esse caso do Alpino foi o mais polêmico? Esse caso foi o seguinte. Eu tenho um amigo que escreve de vez em quando. E ele me falou: ‘Saiu um tal de Alpino Fast’. Eu já tinha visto isso, mas não tinha encontrado ainda. O blog tem a seção ‘prova aí’, para testar produtos novos em que não dá pra fazer comparação entre as fotos. A ideia é ‘você mostra o produto e prova aí’. Meu amigo comprou, ligou, e eu falei ‘traz pra cá’. E aí eu olhei a embalagem, eu tenho o trabalho de ler todos os rótulos, ver a data de validade e as outras informações. Então vi que estava escrito ‘este produto não contém Alpino’. Quer dizer: eles estavam usando o subterfúgio de uma marca conhecida para vender o produto. Como o caso era relevante, acabei sendo citado em muitos lugares. E eu tenho um seguidor no Twitter, promotor, que foi o primeiro a dar atenção ao caso, mas ele não tinha como entrar com uma ação porque o produto não era vendido no Rio Grande do Norte. Então ele entrou em contato com um promotor público do Rio de Janeiro. A repercussão foi absurda. O processo estava em trâmite. E agora eles (a Nestlé) estão fazendo uma emenda pior do que o sonteto. (A empresa decidiu tirar a inscrição ‘este produto não contém Alpino’ da embalagem e afirmou que há, sim, ‘a mesma massa do chocolate Alpino’ sem sua composição.)

Você entrou em contato com a empresa antes disso? Eu fiquei supreso. Meu amigo ligou no SAC e colocou no viva-voz. A atendente falou ‘olha, temos a informação que realmente não tem Alpino porque é impossível colocar o produto bombom Alpino nesse processo de fabricação’. Eu mandei um e-mail para a Nestlé avisando que postaria no blog. Depois de publicado, a Nestlé me respondeu com uma carta meio padrão. Aí publiquei a carta.

Você acha que as marcas estão preparadas para esse tipo de relacionamento com o consumidor? Acho que elas não têm consciência. O mercado consumidor mudou. Eu vejo que o consumidor é muito carente de ter pra quem reclamar. Até reclama, mas reclama para o cara que está na fila atrás dele, não liga para o SAC. Se ele não gosta, fala ‘nunca mais vou comprar’. Só que tem milhões de pessoas que vão continuar comprando aquele produto ruim.

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Você já teve outros problemas por causa do blog? No início, ficava receoso. Sou um consumidor comum. É fácil mostrar minha opinião e eu estou gerando alguns problemas para as empresas. Mas tenho alguns seguidores advogados e eles me falaram que eu não estou fazendo nada de errado. Não estou mentindo. Estou mostrando como o produto realmente é. E as empresas sabem por que ele é assim. Nunca tive problemas mais sérios, não.

Alguma empresa já mudou um produto por causa de um post seu? Mudar produto ou retirar de circulação, não. Tive um problema mais sério com a Vivenda do Camarão. Eu estava comendo lá e tinha um pedaço de plástico no meio da comida. Fotografei, chamei a atendente, falei que ia mandar uma carta e mandei um e-mail. A assesora me convidou para fazer visita e me deu um suporte absurdo. Eu enviei o peçado de plástico para eles analisarem. Era uma lasca de uma embalagem. Eles mandaram carta agradecendo. Tudo isso foi publicado no blog.

Por que você usa o apelido sr. CCOO? Tem receito de aparecer? Eu não tinha ideia de aparecer, não. Foram os próprios leitores que começaram a me chamar de ‘sr. CCOO’. E eu acabei adotando isso. No Twitter é até mais conhecido. E, como eu trabalho numa agência grande, tenho um pouco de receio. Os donos sabem, porém eu atendo clientes grandes. Tenho medo de fazer relação do publicitário com o blog. É curioso porque você é publicitário, mas seu blog é uma grande crítica à publicidade… Pois é. Eu não trabalho com clientes de comida. Em campanhas de carros, por exemplo, nós explicamos ‘imagens meramente ilustrativas’. Mas carro é uma coisa. Carro é carro. Eu acho que comida tem que ter um limite. Afinal, embalagem é propaganda. Teria que ter um limite de manipulação.

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