Pedro Mizukami*
Conforme a última edição do relatório Global Internet Phenomena, da empresa de equipamentos de rede Sandvine, o tráfego mundial de compartilhamento de arquivos tem continuado a diminuir em praticamente todo o mundo, ao mesmo tempo em que o volume de dados relativos aos serviços de streaming segue em crescimento. Na América Latina, em horários de pico, o YouTube tem 28,94% dos bytes baixados em conexões fixas, comparado a 6,84% dos torrents. Netflix e Facebook ficam com, respectivamente, 5,09% e 5,60%.
Se alguns anos atrás era comum, para os usuários brasileiros, encontrar a irritante frase “This service is not yet available in your country/region” ao tentar acessar um serviço de streaming, em 2014 a situação é bem diferente. Em 2011, Netflix (filmes e séries) e Rdio (música) abriram suas portas a assinantes brasileiros. Em 2013, foi a vez da plataforma francesa de músicas Deezer. E em 2014, do Spotify e do Kindle Unlimited, serviço da Amazon que permite acesso ilimitado a todo um catálogo de livros, mediante assinatura. O preço mensal de cada um desses serviços fica entre R$ 15 e R$ 20.
Além dos serviços de assinatura pagos, não devemos descontar, ainda, os serviços de acesso gratuito, remunerados por publicidade. O YouTube é relevante pelo volume de dados movimentado, maior do que qualquer concorrente, e com potencial para crescimento via o novo Music Key.
Nesse contexto, surge naturalmente a pergunta: estaria o Brasil na transição de um modelo de consumo de conteúdo majoritariamente pirata, via redes de compartilhamento de arquivos e sites de download direto como 4shared e Mega, para um país cujo acesso online a mídia é intermediado principalmente por serviços de streaming, via acesso pago ou gratuito?
Acontecimentos recentes no mundo do compartilhamento entre usuários (“p2p”) poderiam passar a impressão de que sim. O célebre Pirate Bay teve, novamente, seus servidores apreendidos pelas autoridades suecas. Um de seus fundadores, Peter Sunde, reagiu com indiferença. Para Sunde, o Pirate Bay de hoje é uma sombra dos seus dias de glória.
Pirataria, em grande medida, é causada por barreiras de acesso, como altos preços, problemas relativos à distribuição, como janelas de lançamento e, no caso das plataformas de streaming, acervos deficientes por questões de licenciamento. Uma vez reduzidas essas barreiras de acesso, é natural que o consumo de conteúdo via canais legais cresça. O que não implica, contudo, a total eliminação da cultura do compartilhamento de arquivos.
Muitas redes de compartilhamento de arquivos têm ethos próprio. Isso é perceptível, principalmente, nas comunidades fechadas de torrents, nas quais o ingresso se dá apenas mediante convite, com a imposição de várias normas comunitárias a seus usuários. Persistindo as condições que viabilizam a existência dessas comunidades – infraestrutura e pessoal disposto a assumir os riscos legais de sua manutenção –, elas persistirão. Persiste, igualmente, a possibilidade de inovação nas plataformas de distribuição pirata. O exemplo de 2014 é, sem dúvida, o Popcorn Time, programa que simplifica o streaming de torrents.
Finalmente, além do potencial de resistência do compartilhamento de arquivos – ainda que como prática de nicho –, há que se considerar que os modelos de negócio para plataformas de streaming estão em constante debate, e não são necessariamente estáveis ou sustentáveis.
O ano que passou teve acontecimentos que sinalizam, sim, um estado de transição. Mas para um estado ainda incerto. O cenário de 2015 é bastante diferente do de 2010, mas ainda há reconfigurações a caminho, e oportunidades para surpresa.
*É pesquisador do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV-Rio