PUBLICIDADE

EXCLUSIVO PARA ASSINANTES
Foto do(a) coluna

Por dentro da rede

Opinião|Tempos interessantes

O ritmo de mudança é maior do que o que podemos assimilar e o fosso que estamos criando em relação ao passado recente é gigantesco

Foto do author Redação
Por Redação
Atualização:

Na última semana, aconteceu a 27.ª reunião do Lacnic, Registro Regional da Internet para a América Latina e Caribe, em Foz do Iguaçu, no Paraná. É o Lacnic quem distribui regionalmente números para “sistemas autônomos” – nome dado às redes que se coordenam para compor a internet – e números IP, seja na versão 4 seja na versão 6. Junto com o Lacnic houve mais três reuniões: a do LACTLD, que reúne administradores de domínios de código de país na região (.ar, .br, .cl etc), a do GTER – Grupo de Trabalho de Engenharia de Redes e a do GTS – Grupo de Trabalho sobre Segurança.

PUBLICIDADE

Os tópicos quentes são o esgotamento final dos endereços IPv4, com a consequente discussão sobre como apoiar empresas entrantes, que ainda podem necessitar de pequenas porções de IPv4 para se estabelecer. A disseminação do IPv6 hoje atinge quase 20% do tráfego, o que é um fato promissor. A IoT (Internet das Coisas), para se expandir de fato, necessitará de enormes quantidades de endereços, que só poderão ser providos na versão IPv6. Há também o recente impacto causado pelo WannaCry, um programa malicioso que criptografa os dados das vítimas e pede resgate para liberá-los. Em suma, muitos e preocupantes assuntos. Alguém comentou ironicamente que uma rede como a internet, projetada para resistir a grandes desastres, hoje permite que seus usuários tornem-se refém de câmaras de filmagem, batedeiras e outros eletrodomésticos...

Nas reuniões técnicas há alguns anos não era raro ouvir a frase “vivemos tempos interessantes”. O próprio Jon Postel a usou e também Scott Bradner, outro pioneiro. Levei algum tempo para entender o que queriam dizer até que topei com o que seria uma antiga maldição chinesa: “Que você viva tempos interessantes!”. Claro que deve haver infinitas sutilezas orientais na frase, não facilmente acessíveis a nós, mas a ideia por trás do dito é que “tempos interessantes” são tempos fluidos, agitados, sem tranquilidade, atribulados. Em contraste a tempos “desinteressantes”, estáveis, de paz, de continuidade, de enraizamento.

O ritmo de mudança é maior do que o que podemos assimilar, e isso não deixará de cobrar seu preço. O fosso que estamos criando em relação ao passado recente é gigantesco. Esse fosso fica evidente quando, por exemplo, assistimos Hashiko, um belo filme japonês sobre um pobre cão fidelíssimo ao dono, mas de triste destino. Há uma versão norte-americana de 2009 mas, se puderem, vejam a original japonesa, feita em 1987. Hashiko era um akita e morreu defronte a uma estação ferroviária, onde esperou por anos seu finado dono, que não voltaria. Uma estátua do cão foi erigida em frente à estação Shibuya. Vi a versão original, em japonês, ambientada em 1924, sobre a família do Prof. Ueno, o tal cão e o modo de vida familiar no Japão entreguerras. É chocante o distância cultural que existe entre aquele “longínquo” 1924 e hoje, nem sequer tendo transcorridos cem anos. E, sinceramente, não sei avaliar se eram tempos mais felizes ou não. Hoje não temos guerras na forma tradicional, mas a agressividade e a violência são hoje mais visíveis, enquanto a gentileza e a delicadeza de ontem correm atualmente o risco de ser classificadas como máculas ou estereótipos.

São de fato tempos interessantes, criativos, dinâmicos, fluidos. Mas precisamos escapar da maldição associada, fazendo-os também humanos e harmoniosos...

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.