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Jornalista, escritor e palestrante. Escreve às quintas

Opinião|Trump contra o Vale

É preciso levar a sério o debate sobre regular ou não o Vale do Silício. Só que, misturando as bolas, a nova direita mais que atrapalha o debate, periga interrompê-lo

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Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump está em pé de guerra com gigantes de tecnologia Foto: Mandel NGAN/AFP

O presidente dos Estados Unidos partiu para o confronto direto com o Vale do Silício. Na terça, lançou à rede um tuítes com uma frase curta – “Pare com o viés” – e um vídeo. Nele aparece, ao longo dos anos, a home page do Google com link para o discurso anual de Barack Obama sobre o Estado da União. Quando chega a vez de Trump fazer seu discurso, o Google silencia. Como se chamasse atenção para o democrata e não para o republicano.

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Não parou aí. Na quarta, aproveitando a oportunidade de estar com um grupo de repórteres, entrou em detalhes. “Google, Facebook e Twitter tratam conservadores e republicanos de forma injusta”, ele afirmou. “É muito sério porque estão tentando silenciar uma parte grande do país. Não é direito, não é justo e talvez não seja legal. Nós vamos ver isso.”

O presidente americano citou também um estudo segundo o qual, no Google News, 96% dos resultados a respeito de seu nome vêm de veículos ligados à esquerda.

Trump ainda não havia ameaçado regulamentar o Vale de forma tão direta. Mas este discurso, o de que as empresas de tecnologia censuram a direita, está crescendo. No Reino Unido, é puxado por Nigel Farage, um dos principais líderes do movimento Brexit. Nos EUA, por Ted Cruz, dentre os mais conservadores no Senado americano. Aqui no Brasil, pelo empresário Flávio Rocha e pelo candidato Jair Bolsonaro.

Mas há problemas no discurso de Trump. O primeiro é que o Google pôs link para seu discurso, sim. O vídeo acusa viés onde não existe. Além disso, por usar a logo antiga da empresa, inclusive, a impressão é de que algumas das telas que aparecem foram forjadas num software para edição de imagem.

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O segundo ponto é mais complicado. Existe, sim, uma nova direita crescendo no mundo. Parte dessa turma flerta com xenofobia e autoritarismo. Mas seria injusto colocar todo mundo no mesmo pacote – existe, igualmente, uma direita democrática. Ela representa as ideias e anseios de uma parcela expressiva da população, vem elegendo parlamentares e chefes de Estado.

É, porém, um movimento que esteve distante do poder por um bom tempo. Assim, quando reaparece, desorienta a bússola ideológica e muita gente perde a noção do centro. Como todo movimento próximo das pontas do espectro, olha com desconfiança para quem não pensa parecido. Claro: para além da direita há a centro-direita, o centro, a centro-esquerda, a esquerda, e a esquerda radical. Ou seja, boa parte do mundo está “à esquerda”. Mas não quer dizer que todos sejam de esquerda. Pois é. Na lista dos “veículos de esquerda” que aparecem no Google News está a CNN.

A rede de notícias americana só é de esquerda na visão da nova direita. De ninguém mais. E esta distorção marca como a nova direita vê não só a imprensa, mas também o Vale. Tudo que não é igual fica parecendo esquerda. É uma incompreensão do que é ser esquerda. Seguindo este raciocínio, o grupo dos empresários mais bem-sucedidos do século 21, que cresceu a partir da produção de conhecimento, criando mercados e concentrando capital, é tratado pelo movo grupo político como socialista. 

Não é. Os homens do Vale são liberais. Liberais de verdade, puro-sangue. Na economia e nos costumes. São capitalistas à moda antiga. Monopolistas.

No caso de Trump, suas críticas são caricatas. Um vídeo com informações incorretas e uma percepção distorcida do que é ser esquerda. No entanto, é preciso levar a sério o debate sobre regular ou não o Vale do Silício. Só que, misturando as bolas, a nova direita mais que atrapalha o debate, periga interrompê-lo. Quando críticas que ninguém fora do nicho leva a sério são jogadas no meio do palco, geram confusão e dúvida.

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O problema do Vale não é ideológico. É o monopólio.

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