Tudo o que você precisa saber sobre o fiasco entre Facebook e Cambridge Analytica

Dados de usuários teriam sido usados para a campanha do presidente americano, Donald Trump; divulgação do vazamento levou a empresa a perder US$ 36 bilhões

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Por Philip Bump
Atualização:
O presidente do Facebook, Mark Zuckerberg Foto: Jim Wilson/ The New York Times

divulgação do vazamento de dados de 50 milhões de usuários do Facebook para uma empresa de análise que trabalhou para a campanha do presidente americano, Donald Trump, fez as ações da companhia despencarem. Com a queda, oFacebook perdeu US$ 36 bilhões de valor de mercado. Foi o maior recuo diário da empresa de tecnologia desde março de 2014. Entenda abaixo todo o processo e os envolvidos no escândalo.

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1. O que é a Cambridge Analytica? A Cambridge Analytica é uma empresa de dados que promete aos clientes fornecer informações sobre o comportamento dos consumidores ou dos eleitores. No lado comercial, isso significa o uso de ferramentas como “segmentação de audiência” – separando o público para fins publicitários em grupos menores - e, em seguida, direcionando anúncios para esses grupos em “plataformas múltiplas”. Do lado político, funciona da mesma forma, com um ajuste. Enquanto os anunciantes geralmente dividem os consumidores como grupos, as campanhas políticas precisam ser direcionadas a pessoas específicas - eleitores registrados são receptivos a uma potencial mensagem.2. O que levou à suspensão do Facebook? A parte fundamental argumentação de vendas de Cambridge Analytica é o fornecimento da linha de “insights de psicologia comportamental”. Há muitas empresas de dados que podem dizer-lhe quem está registrado para votar, e há muitas empresas que compilam dados de consumo sobre esses mesmos eleitores. Isso, de fato, foi uma parte instrumental do discurso de vendas do Facebook para campanhas políticas (bem antes de enterrar silenciosamente esse discurso na sequência das questões sobre a interferência russa na eleição de 2016). Após as eleições de 2014, escrevemos sobre como o Facebook ofereceu às campanhas um lugar para sobrepor seus dados de eleitores (quem está registrado e informação demográficas básicas) com a vasta gama de dados do Facebook sobre o comportamento de seus usuários. Enquanto a maioria das empresas que coletam dados sobre o comportamento do consumidor fazem isso rastreando as pistas que deixamos ao redor de nossa cultura de consumo - cartões de recompensas de supermercados, assinaturas de revistas, etc. - o Facebook tem a vantagem de que tantos americanos digam à empresa exatamente do que gostam, clicando literalmente no botão "curtir". O banco de dados pessoais do Facebook pode ser o maior do mundo, uma vez que quase um terço do globo possui uma conta na empresa. Se você é uma empresa que procura fornecer serviços de dados, você justificadamente ficaria com ciúmes das informações que o Facebook possui. Então, o Facebook (reconhecendo uma oportunidade quando a vê) fornece um caminho para desenvolvedores de software crescerem sobre sua plataforma, permitindo que outras empresas usem seus dados, sob certas condições. Costumava ser bastante trivial, de fato, para os desenvolvedores criarem um aplicativo que, em seguida, pegasse uma grande quantidade de informações do site, incluindo informações sobre a atividade de seus amigos. Em maio de 2014, o site anunciou que iria reduzir esse acesso, a partir do próximo ano. Essa mudança veio um pouco tarde demais. Para aplicar seus “conhecimentos de psicologia comportamental” à política nacional, como pretendiam os Mercers, a equipe SCL/Cambridge precisava de muita informação a respeito de muitos americanos.3. Com o que os dados da Cambridge Analytica realmente se parecem? Não está claro, mas temos uma dica. Um professor da New School de de Nova York, chamado David Carroll estava estudando a segmentação de anúncios quando percebeu o link de Cambridge com a SCL significava que a empresa poderia estar sujeita às leis mais amplas de acesso a dados da Grã-Bretanha, o que potencialmente lhe permitiria ver quais os dados que a empresa havia coletado sobre ele. Em março de 2017, ele recebeu uma resposta.

Não está claro como a Cambridge/SCL desenvolveu esse perfil de Carroll (que ele descreveu no Twitter como “preciso”), mas pode-se ver como os dados do Facebook podem ajudar a informar sobre essas categorias. Pode-se também ver como, uma vez que o perfil foi desenvolvido, os dados do Facebook subjacentes tornar-se-iam desnecessários. É como se alguém estivesse espionando a receita secreta do Kentucky Fried Chicken e, em seguida, desenvolvesse sua própria receita, com base nela. Você não pode estar de posse da receita, mas isso não vem ao caso.4. Onde a campanha Trump se encaixa nisso? A equipe digital de Trump foi dirigida por Brad Parscale, que no mês passado foi nomeado gerente de campanha para o esforço de Trump em 2020. A campanha de eleição geral de Trump demorou para se adequar após as primárias e, até meados de 2016, houve um debate sobre como investir no marketing digital. Reforçada pela advocacia da Parscale (e defendida por Jared Kushner), a campanha contratou a Cambridge Analytica, contra as aparentes objeções do então presidente da campanha, Paul Manafort. A decisão pode ter sido facilitada, também, pelo papel da Cambridge/SCL na campanha bem-sucedida da Brexit na Grã-Bretanha no mesmo mês. Uma observação: o consultor de campanha Michael Flynn também teve um contrato com a SCL pouco antes do final da campanha, embora, aparentemente, ele nunca tenha feito nenhum trabalho com a empresa.5. Isso significa que Trump ganhou as eleições injustamente? Bem, esta é uma questão mais ampla: Será que a Cambridge realmente ajuda a ganhar eleições? Ou, colocado de outra forma: quanto da retórica de Cambridge sobre “psychographics” (pesquisas demográficas sobre atributos psicológicos, tais como valores e atitudes, com finalidades de marketing). é apenas um exagero?

6. Tudo bem. Onde a Cambridge Analytica ganhou as eleições? Na maior parte dos casos, é muito difícil identificar um fator particular que tenha feito a diferença em uma campanha política. Apesar da onipresença da política, as campanhas não acontecem com tanta frequência e, quando ocorrem, existem milhares de fatores que tornam cada campanha única. Então, analisar os efeitos das táticas de campanha significa analisar cuidadosamente uma pequena amostra em que nos pedem para comparar maçãs com laranjas com uvas com cães e estrelas a amor até seis. Isso é extremamente vantajoso para as empresas de consultoria política porque, muitas vezes, é difícil verificar suas afirmações sobre os quão eficazes elas realmente são. A Cambridge Analytica não esteve na campanha durante muito tempo, mas esteve envolvida em várias campanhas de sucesso. A campanha ao senado de Thom Tillis (Republicano, Carolina do Norte) em 2014, que ele ganhou por 1,5 ponto. Havia a campanha “Sair” da União Europeia no Reino Unido em 2016, que ganhou por 3,8 pontos. E havia Trump, que perdeu o voto popular em 2,1 pontos, mas que venceu no colégio eleitoral. Houve também campanhas com derrotas. Antes de Trump, o esforço mais famoso que a Cambridge realizou foi o de Cruz - e ele perdeu. Claro, acabou em segundo lugar na contagem de delegados, apesar de ser bastante impopular no ano anterior, mas sua estratégia era como a de Trump: conseguir vantagem em uma base básica de apoio para enfrentar um campo lotado de candidatos.7. O conselheiro especial Robert Mueller está rastreando tudo isso? Aparentemente. Dado que a campanha Trump e Cambridge investiram tanto tendo como alvo pessoas online e dado que sabemos que os participantes russos tentaram aproveitar anúncios e mídias sociais do Facebook para influenciar os eleitores, há uma questão natural de saber se esses dois esforços tiveram alguma coordenação. Em julho, McClatchy relatou que a equipe de Mueller estava voltando sua atenção especificamente para isso.8. Então, existem ligações com a Rússia? Bem, depende do que você quer dizer com “ligações”. Estamos neste estranho momento onde qualquer ligação por mais tangencial que seja à Rússia ou a uma pessoa russa é anunciada como um sinal de cumplicidade questionável. Então, isso é o que sabemos. O Times informa que o SCL Group falou com a gigante russa do petróleo, a Lukoil, em 2014 e 2015, e que a empresa “estava interessada em como os dados foram utilizados para direcionar-se aos eleitores americanos, de acordo com dois antigos integrantes da empresa que disseram que houve pelo menos três reuniões com os executivos da Lukoil em Londres e na Turquia”. (Na entrevista ao programa Today na segunda-feira, Wylie reiterou essa afirmação). O jornal também observa que a Cambridge incluiu perguntas sobre o presidente russo, Vladimir Putin, em grupos dirigidos em 2014, embora devemos observar que este também foi a época em que a anexação da Criméia pela Rússia tornou-se central nas conversas da política externa americana. No final do ano passado, foi noticiado pelo Daily Beast relatou que Nix havia contatado Julian Assange do WikiLeaks antes da eleição oferecendo-se para hospedar e-mails roubados pelo presidente da campanha de Hillary Clinton para criar um banco de dados pesquisável. Assange declinou da oferta. Acredita-se que tais e-mails tenham sido roubados por hackers russos ligados às agências de inteligência do país. Vale a pena mencionar um outro link. Kogan, o pesquisador de Cambridge que desenvolveu a ferramenta que levou à suspensão do Facebook, também teria recebido uma doação do governo russo para pesquisar redes sociais. “Nada do que eu fiz no projeto russo era, de qualquer maneira, relacionado à Cambridge Analytica”, disse Kogan ao Guardian.

*TRADUÇÃO CLAUDIA BOZZO

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