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Um olhar retrospectivo ao ônibus espacial

Uma entrevista com o chefe dos programas do Ônibus e da Estação Espacial da Nasa

Por Redação Link
Atualização:

Duas semanas atrás, o programa CBS Sunday Morning transmitiu minha matéria sobre o fim do programa Space Shuttle (o ônibus espacial). Foi uma matéria cara ao meu coração, que esperei anos para fazer. Ela me tomou três viagens ao Centro Espacial Kennedy para finalmente filmar o lançamento (porque o lançamento final do ônibus Endeavour ficava sendo adiado).

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Estou particularmente orgulhoso da tomada final, que cronometrei uma dezena de vezes para minha fala terminar simultaneamente ao lançamento real às minhas costas. A Mãe Sorte estava comigo naquele dia, como vocês podem ver na matéria pronta aqui.

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Infelizmente, só pudemos incluir fragmentos das entrevistas que fizemos. Mas, como sempre, em “From the Desk of David Pogue” (Da Mesa de David Pogue), eu tenho mais espaço para partilhar com vocês transcrições editadas dessas entrevistas. Eis uma que eu realmente amei: um papo com William Gerstenmaier, chefe dos programas do Ônibus e da Estação Espacial da Nasa. Ele está no programa do ônibus desde 1977, quando era um engenheiro fazendo testes de modelos do ônibus em túneis de vento. Eu o achei sábio, modesto e articulado.

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POGUE: Vim aqui em nome de 300 milhões de americanos que querem saber, em termos para leigos, por que o ônibus espacial está sendo desativado? Isso porque todo o mundo o ama!

GERSTENMAIER: Pois é… rapaz, é duro. Mas a missão para a qual o ônibus foi projetado está meio que terminando. Se você olha para a estação espacial, esse grande artefato espacial que construímos com partes de todo o mundo… ela pesa quase 400 mil quilogramas. Quero dizer, ela tem o tamanho de um campo de futebol americano. É imensa.

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Essa estação espacial internacional jamais poderia ter sido construída sem o ônibus espacial. O ônibus tem aquela grande área de carga que pode levar peças grandes ao espaço. Ele tem uma câmara hermética para que as tripulações possam vestir seus trajes espaciais e sair para trabalhar no espaço. Ela tem um braço robótico.

De modo que ele não é apenas uma nave espacial, é basicamente uma plataforma de trabalho, com uma tripulação de trabalho capaz de construir essas coisas enormes no espaço.

Agora, nós temos em mente a missão de exploração em que queremos ir além da órbita terrestre inferior. Nós queremos sair e chegar à Lua.

Queremos chegar a asteroides próximos da Terra. Talvez voltar a Marte, ou voltar a uma lua de Marte. Para isso, vamos precisar de uma espaçonave diferente. Não precisamos da fuselagem com asas grandes.

Precisaremos mais de uma cápsula menor que possa aguentar aquele calor quando voltar daqueles destinos maiores com uma velocidade de reentrada superior. Não precisaremos de uma grande área de carga expansiva.

De modo que as novas missões que estamos visualizando para a agência, e para o país, requerem um tipo diferente de nave do que temos com o ônibus.

Eles iam tirar o telescópio Hubble e o público fez aquele enorme clamor. “Não! Nós amamos o Hubble”. E não é que eles conseguiram prolongar sua duração? Haveria uma chance de um clamor público salvar o ônibus, isso adiantaria alguma coisa?

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Bem, a verdade é que estávamos planejando aposentar o ônibus há cerca de dois ou três anos. Portanto, fomos desativando aos poucos as linhas de produção. Os motores de foguete de combustíveis sólido – as duas coisas brancas que ficam nas laterais do ônibus – estão perfeitamente completos, em termos de fabricação. Os amplos tanques externos, as grandes coisas laranjas que você vê, estas nós paramos de fabricar.

Por isso, teríamos de reconstruir todas aquelas instalações, e colocar a coisa toda no lugar. E há a questão do dinheiro também. Teríamos de tirar parte dos dólares que estão indo para o programa do ônibus, e colocá-los neste próximo programa para fazer essas coisas irem além da órbita terrestre inferior. Então, se quisermos partir para essas outras coisas, teremos de desistir de algumas coisas de que gostávamos.

Mas parece que o que a Nasa tem permissão de fazer tem muito a ver com o Congresso e dinheiro, certo? É essa a ruína de sua existência? Isto é, primeiro havia aquele programa Constellation (um programa de voo espacial tripulado cancelado neste ano), e depois, “Não, não, não, não vamos fazer isso”.

Acho que o nosso problema é que as coisas que fazemos são demoradas.

Não podemos simplesmente mudar de rumo quando alguém diz, “vamos fazer algo diferente”. Nós fazemos três anos de planejamento e só então começamos a fabricar.

E isso não funciona bem hoje, porque a maioria dos rapazes não vê a coisa assim. Eles querem que comecemos a fazer alguma coisa diferente de uma hora para outra. Por que vocês não podem simplesmente fazer isso? Ou por que nós não podemos manter o ônibus voando? Não é fácil assim para nós. E precisamos trabalhar melhor explicando aos rapazes como é difícil.

Cabe a nós, à Nasa, montar um programa ágil, criativo, inovador que possa se adaptar ao ambiente em que vivemos, com muitas mudanças chegando a nós de várias direções.

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Essas mudanças todas – no orçamento, no Congresso – o deixam louco?

Não. É o nosso mundo. A questão é que recebemos um tremendo privilégio do contribuinte americano para fazer o que fazemos.

O que sente quando vê o programa do ônibus espacial sendo desativado?

Sinto um pouco de tristeza, um pouquinho, porque sei que poderíamos continuar com este ônibus. Seria ótimo se aquele outro programa chegasse um pouco mais rápido, e nós poderíamos passar diretamente deste programa para o seguinte.

Mas acho que ainda podemos usar a mesma força de trabalho para reequipar, construir planos sólidos e depois nos prepararmos para avançar.

Os astronautas da Apollo disseram que, basicamente, por irmos à Lua, aprendemos mais sobre a Terra do que ficando aqui. E aquelas primeiras imagens da superfície da Lua, do nascer da Terra, ver a Terra como uma esfera, como esta atmosfera fina, mostrou como nosso mundo é frágil, como nosso mundo é pequeno.

Ao continuar vencendo as limitações tecnológicas, poderemos realmente aprender mais sobre o que está ocorrendo aqui na Terra.

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O ônibus espacial que usamos para chegar à estação espacial está aposentado. Então, como poderemos ir até lá e voltar agora?

Vamos usar a nave Soyuz, que já estamos de fato utilizando para a troca de tripulações nos dois últimos anos. Concentramos o ônibus em atividades de montagem.

Nós alugamos espaço na nave russa?

Isso. Nossas tripulações são treinadas na Rússia para operar e ajudá-los a pilotar a nave.

E isso não incomoda ninguém? Quer dizer, não faz de nós uma espécie de cidadãos espaciais de segunda classe?

Não vejo as coisas dessa maneira. Porque se você considera a estação espacial, ela é realmente uma instalação internacional. De modo que há módulos russo ali. Há um módulo japonês. A agência espacial europeia tem outro módulo. E os Estados Unidos têm uma grande instalação de pesquisa. Nós fornecemos energia para o lado russo – nossos painéis solares geram energia, e a fornecem ao lado russo. E eles nos oferecem propulsão da estação espacial.

De forma que se você me pergunta sobre transporte, ele não é diferente de todas essas outras diferente de dependências que eu já tenho. Somos uma equipe realmente internacional. Não é uma competição como antes, não vamos vencer os russos, ou vencer os chineses.

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Há um centro de controle em Moscou, um centro de controle em Houston, um centro de controle no Japão e também um na Europa. E todos nós trabalhamos juntos para manter essa estação espacial voando e operando.

Mas não há um outro componente, também, sobre trabalhar com equipamentos espaciais comerciais? Como isso funciona?

Os russos são bons parceiros. Mas de um ponto de vista da tecnologia, é bom ter uma capacidade redundante. De modo que gostaríamos de estabelecer outra maneira de levar tripulações e cargas para a estação espacial, e estamos pensando na indústria comercial para fazer isso para nós.

Estamos dizendo: será que a indústria comercial pode entrar sem o envolvimento direto da Nasa, e fazer parte disso por conta própria? Nesse sentido, temos um contrato com a Orbital Space Corporation e com a Space-X.

E essas duas companhias vão nos fornecer serviços, provavelmente, a partir do fim deste ano e ao longo do próximo, para transportar cargas para a estação. Nós não participamos no projeto de seus foguetes.

Estamos meio que supervisionando.

Aí, o passo seguinte é eles poderem passar ao transporte de tripulações. E, aí, duplicaremos o que os russos têm, e teremos um período de superposição entre os dois, e depois poderemos levar nossas próprias tripulações, num panorama de tempo até 2016, quem sabe, com o provedor comercial americano para o espaço.

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Assim, em vez de pagar aos russos, como estamos fazendo, estaremos pagando a provedores comerciais do lado americano pelo serviço. E eles também terão de usar muita tecnologia da Nasa para construir seus foguetes.

Acho que esse é um modelo que funciona bem. A Nasa faz as coisas mais difíceis e as coloca no ponto, e depois elas são facilmente entregues à indústria comercial.

Então, qual é a visão agora?

Não vamos escolher um destino, mas construir uma série de espaçonaves, veículos e tecnologias que poderão ser reunidos para uma missão quando chegar a hora de fazer uma missão.

Vamos começar agora um veículo tripulado para múltiplos fins, que é basicamente uma cápsula. Ele abriga cerca de quatro tripulantes. Ele permite ir a destinos muito além da órbita inferior da Terra, e retornar com uma capacidade de escudo de calor e os sistemas de sustentação da vida.

Depois precisaremos de um foguete para carregar massas grandes.

Precisaremos de alguns foguetes grandes, parecidos com os que tivemos no projeto Saturno, e poderemos levar componentes grandes para o espaço que depois poderão ser montados para ir a destinos mais distantes. Vamos precisar de um veículo de pouso, se vamos pousar, por exemplo, na Lua. Ou se formos para Marte. De modo que a ideia é identificar todas essas peças que precisamos, e depois começar a trabalhar nelas aos poucos, na toada do financiamento.

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E será seguro dizer, então, que haverá um período calmo entre o ônibus e a coisa seguinte que a Nasa desenvolver?

Eu não chamaria de um período calmo. (Risos) Chamaria de o período da Estação Espacial Internacional.

Por exemplo, estivemos trabalhando com Salmonella no espaço. E ocorre que ela gera cepas diferentes quando vai para o espaço, e não temos certeza absoluta de por que isso ocorre. E ela também fica mais forte. Fica mais virulenta.

Podemos trazer esses espécimes para terra e usar engenharia genética para criar uma Salmonella que seja forte o suficiente para causar uma reação imune no ser humano, mas não tão forte para nos causar a doença. Assim, nós pudemos criar uma vacina para Salmonella. E ela está prestes a ser submetida a testes pela Federal Drugs Administration (FDA, a agência que controla alimentos e remédios nos EUA).

O mesmo com a MRSA, a bactéria resistente a drogas em hospitais. O mesmo com o vírus da gripe. Esse mesmo fenômeno ocorre no espaço. É como quando fomos à África procurar plantas novas para ajudar a nos dar novas ideias para produtos farmacêuticos, e drogas. É a mesma coisa. Você vai a esse novo ambiente do espaço, sem gravidade, as coisas funcionam de maneira muito diferente.

Portanto, essa é a próxima fase. Podemos não estar fazendo missões grandes e elegantes, mas se deixarmos isso de lado, vamos mostrar que o espaço tem aplicações reais para nós aqui na Terra.

Li algumas criticas realmente negativas à estação espacial. Uma dizia que, comparada ao número de trabalhos científicos que o Hubble gerou, a estação espacial, até agora, tem sido uma espécie de fiasco. Ela gerou muito menos ciência de boa qualidade. É verdade?

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Nosso problema foi que ficamos muito ocupados construindo essa coisa, não tivemos uma chance de nos concentrar pra valer no lado da pesquisa. Esta será a próxima fase.

Como deve se lembrar, quando o Hubble foi lançado, ele teve problemas com sua óptica. E muita gente disse então, “o Hubble não vale nada. Devemos simplesmente terminar com isso”.

Mas conseguimos consertar o Hubble, e você viu todas as imagens que vieram depois disso.

Se continuarmos progredindo, teremos a chance com a estação espacial de impelir essa pesquisa em diversas áreas, que serão tão empolgantes, e darão o retorno que temos no caso do Hubble. De modo que eu diria que as coisas não estão decididas.

Para encerrar: em suma, pode categorizar o ônibus espacial? Suas conquistas, sua duração? Prestar-lhe um tributo?

O que o ônibus realmente fez foi mostrar que podemos de fato trabalhar no espaço. Este é um lugar do qual o homem faz parte. Um lugar onde seres humanos podem trabalhar, viver, operar. O ônibus foi esse primeiro passo além da Terra, para lugares mais vastos, aonde iremos algum dia, muito além da órbita inferior da Terra. Potencialmente de volta à Lua, ou a asteroides próximos da Terra, ou sabe-se lá onde.

Mas esse primeiro passo veio mesmo com o ônibus espacial. Ele mostra o que poderemos fazer se todos trabalharmos juntos e montarmos uma equipe: poderemos realizar algumas coisas realmente admiráveis.

/ Tradução de Celso Paciornik

Publicado originalmente em 09/06/2011.

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