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Uma década colaborativa

No próximo sábado a “enciclopédia livre” completa dez anos de existência e continua provando como a força da comunidade pode espalhar conhecimento

Por Rafael Cabral
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Quem tem cerca de 20 anos hoje viveu um momento histórico peculiar, o salto do mundo analógico para o 2.0, enquanto ainda estava no ensino médio. Naquela época, as lições de casa entregues pelos alunos mudaram significativamente: até os mais preguiçosos largaram os garranchos em folha de caderno amassada e passaram a entregar trabalhos digitados, arrumados e grampeados. Os professores desconfiaram, mas choveram notas 10. Até que um aluno descuidado esqueceu um endereço de site no pé da folha e anunciou para os (poucos) desinformados da sala que um dos serviços mais importantes da era digital, a Wikipédia, havia nascido – e, sim, ele foi suspenso por isso.

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A ideia de uma enciclopédia feita pelos próprios leitores e que reunia todos os tópicos possíveis era bem diferente quando a página entrou no ar, em 15 de janeiro de 2001, há dez anos.

Ninguém achava que o projeto tivesse organização para se manter e, principalmente, que fornecesse informação confiável. Agora, ao completar uma década de existência no próximo sábado, o site recebe quase 400 milhões de visitantes únicos a cada mês, segundo o cálculo da ComScore em setembro de 2010, e se tornou ferramenta indispensável para grande parte dos usuários da internet.

Para comemorar uma década no ar, a Fundação Wikimedia planeja uma série de eventos mundo afora, como encontros de colaboradores e palestras, além da criação de um portal especialten.wikipedia.org) e de uma linha do tempo com eventos marcantes da trajetória no site – tudo feito em colaboração, é claro. No Brasil, a comemoração acontecerá durante a Campus Party, na semana que vem.

A comunidade que participa do projeto da Wikipédia é enorme, com mais de 80 mil editores. Se somados, os 270 idiomas reunidos pela enciclopédia teriam 16 milhões de artigos. Tudo isso por causa da maior inovação trazida pelo site fundado pelo empresário Jimmy Wales e pelo filósofo Larry Sanger – um conceito simples, baseado na colaboração voluntária e em massa.

Antes, a tal “cultura colaborativa” da web vivia apenas na cabeça de teóricos como o seu próprio inventor, o engenheiro de computação Tim Berners-Lee. Nem os cofundadores da “enciclopédia livre”, como ela ficou conhecida, levavam a ideia a sério, vide que apostavam antes em um outro modelo, o da Nupedia, criada por Wales e editada por Sanger no ano 2000. Em cima do muro, ela pedia ajuda de seus leitores, mas apenas para quem fosse, pelo menos, PhD no assunto em que quisessem meter o bedelho. Em seus três anos de existência, a Nupedia tinha apenas 24 artigos completos. A Wikipédia surgiu como uma ferramenta aberta, em que todos poderiam editar os artigos, e nos mesmos três anos havia batido a marca dos 100 mil tópicos.

Antes dela, ainda sobreviviam os CD-ROMs multimídia e “pesquisa na internet” era quase sinônimo de “pesquisa mal-feita”. Existiam fontes confiáveis, mas elas eram raras, mal divulgadas, experimentais e certamente bem menos completas.

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O modelo de edição e escrita da Wikipédia, distribuído, permite que incorreções nos tópicos sejam corrigidas com bastante rapidez – os artigos são muitas vezes atualizados em tempo real na versão em inglês. Quando a revista Nature decidiu testar a qualidade do conteúdo, acabou por admitir um empate técnico com a tradicionalíssima Encyclopaedia Britannica.

O que o mundo descobriu é que nem um batalhão de acadêmicos poderia brigar com a quantidade de “especialistas”, sem PhD ou diploma, que a Wikipédia visava: virtualmente, todos. Cada pessoa sabia um pouco de uma coisa e, se não se incomodasse em compartilhar, juntos saberíamos muito. Essa confiança no poder da comunidade e no potencial colaborativo da internet seria vital para todos os produtos da web 2.0 surgidos depois da experiência pioneira e, dez anos depois, bem-sucedida.

DOIS WIKIS QUE NÃO SE BICAM

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A página mais visitada da Wikipédia em dezembro de 2010 era a de um projeto que, ao ser lançado, disse ser uma “Wikipédia dos segredos”, o polêmico site liberação de documentos WikiLeaks. Mas, apesar do que se poderia crer, os dois fundadores da “enciclopédia livre” têm se mostrado contrários ao site.

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Jimmy Wales chegou a entrar em contato por e-mail com o australiano Julian Assange, que se inspirou nele para posar para o banner acima, para reclamar da similaridade entre os nomes dos dois endereços. Além disso, ele vem criticando a atitude do site em entrevistas. “Se eu tivesse alguma informação, a última coisa que eu faria seria fornecê-la ao WikiLeaks”, disse ao jornalista Charlie Rose, da emissora PBS.

Já o filósofo Larry Sanger foi ainda mais duro em seu Twitter. “Falando como um dos idealizadores da Wikipédia, eu os considero inimigos dos Estados Unidos – não do governo, mas das pessoas”, escreveu.

—- Leia mais:Link no papel – 10/01/2011Na mira: Brasil, África e ÍndiaPersonal Nerd: 10 anos de Wikipédia

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