
Pedro Doria
Uma lei ruim para fake news
A intenção dos autores da Lei das Fake News é a melhor possível, mas ela pode instaurar a censura na rede
21/05/2020 | 20h48
Por Pedro Doria - O Estado de S. Paulo
Os deputados federais Tabata Amaral (PDT-SP) e Felipe Rigoni (PSB-ES)
O Senado Federal realiza, nesta sexta-feira, 22, sua reunião de líderes para definir a pauta da semana que vem. Um dos projetos que deve entrar é o PL 1429/2020. Uma Lei das Fake News. De um lado, propondo o texto, estão o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e os deputados Tábata Amaral (PDT-SP) e Felipe Rigoni (PSB-ES). Fazem parte da nova e badalada geração de políticos, todos muitos bem formados e dispostos a trabalhar duro, estudando e se dedicando à atividade parlamentar. Do outro, críticos da lei, estão os irmãos Bolsonaro e seus parceiros habituais, eleitos por um movimento político que tem a desinformação no centro de sua estratégia. Não parece muito difícil saber em que lado ficar.
No entanto, a Lei das Fake News, como está, é uma ideia terrível.
O primeiro problema dela é que o texto foi escrito de forma apressada. Na Câmara dos Deputados, Tábata e Rigoni abriram para consulta pública. No Senado, Vieira decidiu meter o pé no acelerador. E, neste momento, o Congresso Nacional está funcionando sem comissões: os projetos vão direto a plenário. Se os líderes o puserem na pauta da semana, não terá havido consulta pública, tampouco debate interno.
Piora.
Boa parte dos parlamentares são vítimas de notícias falsas. Os Bolsonaro e seus aliados não são benquistos. Eles são daquele tipo de gente que recusa o diálogo, que pede fechamento do Congresso, e todos sabem que operam uma máquina de criar estas notícias falsas.
A intenção dos autores é a melhor possível: afinal, o problema que enxergam é real. A máquina de desinformação criada por grupos políticos, que já cria um ambiente de dano real à democracia, em tempos de pandemia é pior. Ao confundir desorienta as pessoas. Mata.
Só que o problema não é apenas brasileiro — é mundial. Grupos populistas e nacionalistas, em geral de direita mas nossos vizinhos venezuelanos lembram sempre que também existem na esquerda, estão tomando de assalto as democracias por toda parte. E todos têm por estratégia explorar as fraquezas das plataformas de comunicação digital. Geram confusão e, na confusão, se infiltram. Ainda assim, há um motivo para nem a União Europeia, nem os EUA, terem ainda uma lei que tente regulamentar fake news. É porque o problema é complexo.
O projeto em discussão no Senado altera o Marco Civil da Internet. Hoje, as plataformas não são responsáveis pelo que cada um publica nelas. Em todas as democracias é assim. Se virar lei, passarão a ser. A definição de desinformação é vaga — “conteúdo em parte ou no todo, inequivocamente falso ou enganoso, passível de verificação, colocado fora de contexto, manipulado ou forjado, com potencial de causar danos individuais ou coletivos, ressalvado o ânimo humorístico”. Certo. Quem definirá é cada juiz em cada caso. As plataformas terão um grande incentivo a, na dúvida, impor uma censura draconiana.
Liberdade de expressão não tem nada de trivial — é matéria para filósofos. Definir quando algo tirado do contexto é do jogo ou não é, quando houve intenção de enganar ou não, decidir o que é ou não é verificável, cada passo desses mergulha em debates mil. O que este projeto periga fazer, em nome de uma causa justa, é instaurar a censura na internet brasileira. Precisa ser discutido.
As plataformas não têm nada de inocentes, são pouco transparentes. Mas se os especialistas têm uma convicção, é a seguinte: a melhor arma contra desinformação digital é ir atrás de quem a financia. Tem gente pagando pela fraude. Até lá, o melhor caminho para este projeto é jogar luz nele e deixar que a democracia atue. Que se permita o debate público e aberto com a sociedade civil.
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