
Demi Getschko
Por dentro da rede
Web 3.0 é solução utópica ou mesmo arriscada contra poder das Big Techs
Internet viu crescer camada inimaginável de concentração de poder, e há reações em diversos níveis
19/07/2022 | 05h00
Por Demi Getschko - O Estado de S. Paulo
Tida como o futuro da internet, a Web3, ou Web 3.0, trata de operações descentralizadas e seguras, tirando o controle da mão de grandes empresas
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Que a Internet, a partir de um modelo inicial totalmente distribuído e neutro, viu crescer uma camada de inimaginável concentração de poder é hoje algo tácito. E esse poder não se corporifica apenas em termos econômicos, mas engloba riscos crescentes de controle cada vez maior sobre os usuários, seus dados, suas preferências e características.
Seguimos algo incautos, como a velha analogia da rã sendo cozida e que, num primeiro momento acha agradável o leve aquecer da água na panela.
Há reações a essa concentração em diversos níveis. No que tange à web, por exemplo, acena-se com uma solução vindoura, talvez utópica ou mesmo arriscada, que se identifica como Web 3.
Menções a uma versão 3.0 surgiram em 2006, com a difusão da ideia de se criar uma “web semântica”, onde a indexação e localização dos textos fosse independente da sua literalidade, mas sim estivesse ligada à semântica contida. Claramente criá-la demandaria um sistemático trabalho coletivo, que acabaria por ser inutilizado pelas novas habilidades dos buscadores, sem falar dos avanços da Inteligência Artificial e sua intelecção de texto.
Abandonada a ideia da web semântica, tratou-se de encontrar outros anabolizantes e, juntando-se oportunidade e modismo, o discurso passou a incluir criptomoedas, NFTs e tecnologias como blockchain.
Visar a fins saudáveis e nobres, como a descentralização da web ou a defesa da criptografia por todos que desejam proteger sua privacidade, é absolutamente importante.
O perigo está nos eventuais meios a se lançar mão. Basta constatar que, em boa parte dos textos e vídeos que tratam do tema da web 3.0, há um apêndice, quase canônico, que apela ao “aggiornamento” do consulente: que ele adequadamente revise sua forma de investimentos, que inicie a aquisição de seu “patrimônio digital”, que se atualize com as novas e promissoras ferramentas criptodigitais que promoverão, sem dúvida, um irrefreável crescimento pessoal.
Certamente um nobre fim não justifica o uso de quaisquer meios para atingi-lo e, pior ainda, sem que se tenha clara noção se, de fato, os meios propalados levarão ao fim colimado, e quais os efeitos colaterais do novo ferramental de que se pretende lançar mão. O risco das tais “boas intenções” que pavimentam o caminho do inferno… Nos velhos mapas geográficos, quanto se cruzava a fronteira de áreas conhecidas para as ignotas, havia desenhos de dragões, serpentes e outros monstros alertando para os perigos do desconhecido… Pode haver dragões aí em frente.
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