Adeus, dinâmica: como as startups estão mudando os processos seletivos

Foco no candidato, análise de comportamento e uso de inteligência artificial são inovações trazidas ao setor

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Por Matheus Mans
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No sistema da Revelo, de Lucas Mendes, é a empresa que disputa os candidatos mais interessantes – e não o contrário Foto: Leo Martins/Estadão

O processo é quase sempre o mesmo. A pessoa envia o currículo para uma vaga e espera. Se for chamada, começam dinâmicas e entrevistas repetitivas – por vezes, cheias de perguntas “criativas”, como “que animal você seria?”. Entre cada etapa, mais espera. É um sistema pouco inteligente que prejudica empresas e candidatos, presos à burocracia. Porém, essa era pode estar perto do fim: startups de recrutamento começam a ganhar fôlego no País, propondo transformação radical na relação entre vagas e candidatos. Apelidadas de HR Techs, essas novas startups começaram a surgir no Brasil há cerca de três anos, inspiradas por um movimento semelhante nos EUA, cheio de potencial – lá, o mercado de recrutamento gira US$ 240 bilhões anualmente, segundo dados da Deloitte. Há bastante espaço para as startups, diz a consultoria: hoje, elas faturam apenas US$ 2,2 bilhões desse total. 

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Hoje, no Brasil, já há pelo menos 120 startups que surfam na onda do recrutamento, segundo estudo recente da aceleradora Liga Ventures. “O potencial de crescimento é exponencial em todo o mundo”, avalia Raphael Augusto, consultor da Liga. “Com o desemprego que vemos hoje no Brasil, será necessário realocar no futuro, bons candidatos para boas vagas. Isso abre espaço par quem tem soluções inovadoras e ágeis.” 

Uma das pioneiras no Brasil foi a Revelo, fundada no final de 2014 por Lucas Mendes. Engenheiro, ele estava em um curso na Universidade de Stanford, no Vale do Silício, quando viu o mercado de recrutamento começar a trazer inovação e a abandonar antigos processos. Foi a hora de sair de um e-commerce de beleza e partir para o mundo do RH.“As empresas têm dificuldades em encontrar talentos dentro desse mundo mais conectado”, explica Mendes. 

A proposta da Revelo é inverter a lógica da contratação: são os candidatos que entram na plataforma e preenchem seu perfil, com direito a testes e uso de inteligência artificial. A partir daí, é criado um ranking dos candidatos, usados pelas empresas para competir pelos profissionais que lhe forem mais atraentes. “O candidato vai para o centro do sistema e não repete os processos. A ideia é evitar desânimo e impedir análises iniciais só pelo currículo”, explica Mendes, de 34 anos.

De 2014 para cá, a Revelo já avaliou mais de 300 mil candidatos e tem mais de 1,8 mil empresas com perfis ativos – entre elas, Ambev, Itaú e Natura. São as empresas que remuneram a Revelo: ao selecionar um candidato, a companhia paga à startup o valor do primeiro salário do novo funcionário. Se houver muitos processos seletivos, há também a possibilidade de uma mensalidade fixa. O bom desempenho rendeu à empresa de Mendes mais de R$ 17 milhões em aportes até hoje. Para o empreendedor, a meta é fazer o RH ganhar espaço. “É um setor sempre deixado de lado e com pouco investimento. Podemos trazer mais agilidade por menos.” 

Contrato. Inserir tecnologia no meio da seleção e contratação pode trazer benefícios. Para Marcel Lotufo, fundador da startup de recrutamento Kenoby, um deles é ajudar as empresas a ter melhores noções sobre quem são os candidatos – indo além da mera análise de currículo. “Há muito viés nas entrevistas de emprego hoje em dia, onde se analisam coisas que não fazem sentido para a vaga”, diz Lotufo. 

A Kenoby, que ganhou esse nome em homenagem ao mestre jedi Obi-Wan, da saga Star Wars, faz um caminho inverso ao da Revelo – que, aliás, tem a startup de Lotufo como uma das suas clientes. Empresas vão à Kenoby para abrir vagas. A startup, por sua vez, começa a estruturar todo o processo, de testes à gestão de candidatos, para encontrar a pessoa ideal para a vaga. Tudo por meio de algoritmos, softwares e inteligência artificial. “Diminuímos burocracias para que o candidato ideal seja redirecionado”, diz Lotufo, que tem Outback e XP Investimentos como clientes. 

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A Biz.u, fundada em 2015, ajuda nesse entendimento do candidato. Como se fosse um “Tinder do emprego”, em menção ao famoso app de relacionamentos, a startup tenta fazer uma análise detalhada de empresas e candidatos – de um lado, mira entender cultura e ambiente das empresas; do outro, comportamentos do profissional. Para realizar uma contratação, é preciso desembolsar pelo menos R$ 800 – quanto mais vagas e mais exigências, maior é o custo. “Hoje, contrata-se pelo currículo e demite-se por comportamento. É tudo feeling do recrutador”, afirma Fellipe Bazilio, fundador da startup, que já obteve cerca de R$ 1 milhão em aportes. “Precisa ser um processo mais inteligente”, defende. 

Para a professora de gestão e liderança do Insper, Maria Elisa Moreira, é só o começo. “As pessoas não querem mais ficar presas em trabalhos cansativos, que não estão sintonizados com os seus desejos, e muito menos participar de processos burocráticos”, afirma a pesquisadora, que vê seleções mais humanas. “Vejo profissionais das ciências sociais agindo lado a lado de inteligência artificial na seleção de candidatos. É um novo mundo.”

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