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Brasileiros criam serviço de streaming de quadrinhos

Com estreia para novembro, Cosmic traz conceito presente em serviços como Netflix e Spotify para os quadrinhos com apoio de grandes editoras

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Por Matheus Mans
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REPRODUÇÃO/MARVEL COMICS

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Uma Netflix das histórias em quadrinhos. É essa a ideia por trás da Cosmic, uma plataforma brasileira de streaming por assinatura para HQs, com estreia prevista para novembro. O serviço foi criado pelos cearenses Ramon Cavalcante e George Pedrosa e, à semelhança de Netflix e Spotify, cobra do usuário uma taxa mensal de R$ 15,90 para acesso ilimitado a um acervo de quadrinhos e mangás. O conteúdo pode ser acessado por tablet, smartphone ou desktop através de uma conta pessoal.

Cavalcante é quadrinista há doze anos e diz conhecer bem os desafios do mercado impresso de quadrinhos no Brasil. “O físico tem toda a dificuldade da impressão, distribuição. Livrarias também chegam a ficar com 50% do preço de capa.” O quadrinista e seu sócio acreditam que a saída para o mercado está no digital, e dentro dele enxergam o streaming como melhor solução para criadores e consumidores.

Antes do serviço de streaming, a Cosmic começa lançando um leitor online para HQs, que estará disponível nesta quarta-feira, 29. Nele, qualquer usuário poderá ler gratuitamente o que já tem baixado no próprio computador, independentemente da origem.

Em processo de fechamento de contratos com editoras e autores, Ramon conta que pretende iniciar a plataforma com conteúdo vasto e diversificado. “Daqui pra frente não iremos parar de fechar contratos para, desde o começo, já termos um bom material”, conta. “Depois de lançada a plataforma, ainda queremos manter uma média de 60 lançamentos por mês.”

A meta deles é ambiciosa. “Estamos tentando construir um futuro totalmente diferente para os quadrinhos no Brasil”, comenta. “Nós queremos transformar o mercado de HQs assim como a Netflix transformou o mercado de audiovisual.”

A dupla ainda não revela as editoras que terão material disponível na Cosmic, apenas que a plataforma contará com material antigo e recém-lançado. De acordo com os fundadores, parcerias já foram firmadas com autores independentes, editoras nacionais grandes e pequenas, além de editoras internacionais de renome. “As editoras do exterior foram mais receptivas. Gostaram logo da ideia. Autores independentes também foram tranquilos, por termos um contato mais fácil”, conta Ramon. “Com editoras nacionais, porém, foi mais complicado. Tivemos que ir conversar com editores, ao vivo, cara a cara.”

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REPRODUÇÃO/DARK HORSE COMICS

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O gerente editorial da Devir, editora que publica 300 e Sin City no Brasil, afirma que tecnologias como a da Cosmic podem ajudar a impulsionar mais o mercado de quadrinhos nacional. “Um serviço de qualidade e com preços justos tem tudo para repetir o sucesso que a Netflix tem feito com filmes e séries”, comenta Paulo Roberto. “Como o investimento para lançar um quadrinho nessa plataforma é baixo, isso possibilitará que os leitores tenham acesso a uma quantidade muito maior de material inédito, e até mesmo produzido especialmente para essas plataformas.”

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Para Marcio Borges, diretor comercial, de marketing e publicações da Panini Brasil, detentora das marcas Marvel (Homem-Aranha, Hulk, Demolidor, etc) e DC Comics (Batman, Superman, Flash, etc) no País, “desenvolver o mercado visando o convívio harmônico entre as duas plataformas é o objetivo de qualquer editora hoje”, revela. “Faz parte da nossa estratégia e é prioridade avaliar, junto às licenças que editamos, formatos interligados que agreguem cada vez mais conteúdo aos fãs.”

Sirlanney Nogueira, criadora da HQ Magra de Ruim e participante da Cosmic, diz que ficou contente quando soube do serviço. “Fiquei muito surpresa. Fazia tempo que procurava uma plataforma como essa”, conta. “Afinal, esse é um mercado latente. Sentíamos que precisava surgir algo assim.”

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Pioneiro

O mercado dos quadrinhos já marca presença na web de diferentes maneiras há bastante tempo. O quadrinista André Diniz, por exemplo, oferece suas histórias gratuitamente na internet. “Comecei faz tempo, em 2000, com o site Nona Arte. Lá, as HQs eram colocadas à disposição gratuitamente”, diz. “Algumas chegaram a 50 mil downloads. Naquela época, um número inimaginável.”

Hoje, voltando à ativa na web com o site Muzinga, onde publica “HQs periódicas com personagens fixos”, ele diz que é essencial a integração entre impresso e web. “O cenário atual dos quadrinhos no Brasil é fruto da web”, diz. “O digital e o impresso hoje caminham juntos, um alimentando o outro. Não consigo imaginar só impresso nem só digital.”

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A venda de HQs também já era uma realidade na web, porém de uma maneira diferente do que é visto na Cosmic. O Comix Trip, por exemplo, é um app para iOS que vende histórias em quadrinho de mais de 100 artistas nacionais independentes. O conteúdo pode ser consumido de maneira avulsa (variando de US$ 0,99 a US$ 5,99) ou, pagando uma taxa mensal, pode ser acessado integralmente.

Segundo Alexandre Montandon, criador do Comix Trip, é essencial que artistas independentes integrem as novas tecnologias dos quadrinhos. “Apps de HQs têm tudo para ser uma das grandes ferramentas de divulgação (para que quadrinhos independentes sejam descobertos pelo grande público).”

Direitos autorais

Uma das questões mais complexas e nebulosas no mundo do streaming é a que diz respeito aos direitos autorais dos criadores. No mundo da música, Taylor Swift já se revoltou contra Spotify e Apple Music por considerar que esses serviços lhe pagavam pouco. Já no âmbito literário, autores se mostraram descontentes com o pagamento feito pelo Kindle Unlimited, da Amazon, já que a divisão dos ganhos não é bem delimitada e prejudica novos autores.

Preocupada com a questão, a Cosmic procura deixar bem claro aos usuários, autores e editoras como são divididos os ganhos. “Do valor da assinatura, 30% ficam com a Cosmic para custear servidores e despesas de pessoal”, diz o vídeo institucional disponível na plataforma. “Os outros 70% vão para os artistas.”

REPRODUÇÃO/DC COMICS

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Cada criador recebe de forma proporcional à leitura que suas obras ganham. “Nós dividimos os 70% através de uma metrificação do usuários”, conta. “Se você lê só um artista o mês inteiro, o seu pagamento vai todo para ele.”

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Para o jornalista e criador da plataforma George Pedrosa, a receptividade do serviço no mercado tem sido excelente por ser “um modelo que beneficia autores e editoras com um bom público, mas que também permite que autores com um público não tão grande possam gerar renda significativa para si”.

“O pagamento é muito justo”, diz Sirlanney. “Afinal, é mérito do autor. A pessoa vai continuar lendo se a história for interessante. A meu ver, esse é o grande ponto positivo. Todos podem sair ganhando.”

Plataforma deve enfrentar pirataria e quadrinhos físicos

A principal tarefa da Cosmic será convencer leitores de quadrinhos de que o streaming é uma boa solução para o formato. Leitores de HQs digitais devem ser persuadidos de que é melhor pagar do que baixar ilegalmente na web. Os leitores de quadrinhos físicos, por sua vez, precisam ser atraídos para uma experiência inteiramente nova.

O estudante Luan Ferreira comprou quadrinhos impressos durante anos. Acabou desistindo e entrando na pirataria online. “Aqui no Brasil só tem os quadrinhos mais famosos, que são caros. Não vale muito a pena comprar hoje em dia”, comenta. “Tem tudo na internet.”

Para ele é necessário que o serviço de streaming consiga convencê-lo da utilidade e, principalmente, da qualidade. “Consigo ler pela internet com uma qualidade excelente”, diz Luan. “Para mim, o streaming precisaria ter uma boa qualidade, preço baixo, velocidade de lançamento, facilidade de acesso. E ter disponíveis aquelas edições que não são achadas em lugar algum, como aqueles clássicos da Marvel”, diz.

Segundo ele, com características assim, ele não veria vantagem na pirataria. “Assim como tem gente saindo da pirataria de músicas e indo pro Spotify, é extremamente possível e coerente sair da pirataria de HQs e ir para um serviço assim”, comenta.

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A leitora Beatriz Marques, por outro lado, compra quadrinhos físicos com frequência. Dependendo do número de lançamentos, até semanalmente. Questionada se largaria o papel para ingressar no mundo do streaming, sua opinião é semelhante à de Luan. “Apenas utilizaria se as atualizações fossem junto ou próximas aos lançamentos das versões físicas nos países de origem”, comenta.

Pedrosa, porém, ressalta que o objetivo não é apenas resgatar os leitores de quadrinhos. “Nossa expectativa é consagrar nosso serviço e trazer mais atenção a essa arte, atingindo um novo público que não se sente contemplado pelo cenário atual.”

RAFAEL ARBEX/ESTADÃO

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