Como a pandemia mudou as startups de saúde

Com demandas urgentes e regulações mais flexíveis, as chamadas “healthtechs” ganharam fôlego na quarentena

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Foto do author Bruna Arimathea
Por Giovanna Wolf e Bruna Arimathea
Atualização:

A pandemia e o isolamento social impulsionaram a digitalização de vários setores. Mas, quando se trata de tecnologia aplicada à saúde, o impacto foi direto. Assim, as startups de saúde, chamadas de “healthtechs”, se viram chacoalhadas por demandas urgentes e flexibilizações num conjunto de regulações. O setor, que soma hoje 542 startups, segundo um levantamento da empresa especializada em inovação Distrito, viu nos últimos meses o surgimento de novas empresas e a transformação de negócios já existentes.

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Um dos nomes que nasceram em meio à pandemia foi o da startup Alice. Fundada por André Florence e Matheus Moraes, ambos ex-99, e por Guilherme Azevedo, cofundador do Dr. Consulta, a empresa tem um plano de saúde personalizado. Lançado no mês passado, ele é oferecido por meio de um app, que conecta pacientes a profissionais de saúde contratados pela Alice, além de uma rede de hospitais e laboratórios parceiros – a plataforma organiza os dados dos pacientes para históricos em consultas.

“Percebemos que tínhamos em comum a vontade de ajudar a resolver um pedaço do maior problema do Brasil, que é a saúde. Queremos ajudar as pessoas a ficarem mais saudáveis”, afirma o cofundador Matheus Moraes, em entrevista ao Estadão

Antes mesmo de começar a operar, a Alice recebeu um investimento de US$ 16 milhões, com participação dos fundos Kaszek, Canary e Maya Capital. “Estamos construindo a Alice desde março de 2019, mas a pandemia acabou transformando em realidade a aposta que tínhamos em acesso digital à saúde”, afirma Moraes. 

Matheus Moraes e Cesar Biselli, da startup paulistana Alice, que lançou em julho seu serviço de plano de saúde personalizado Foto: Alex Silva/Estadão

Além do app, a startup tem a Casa Alice, espaço físico na Avenida Rebouças, em São Paulo, que funciona como ponto de apoio para o acompanhamento de usuários. Para uma pessoa de 30 anos, a mensalidade custa entre R$ 850 e R$ 1 mil. É uma aposta “premium”, já que o valor é bem mais alto do que a média de um plano de saúde tradicional em São Paulo para usuários da mesma idade, cujo preço mensal é de cerca de R$ 500. 

Na mesma linha, surgiu a startup Nilo, que começou a operar em abril. Trata-se de uma clínica virtual especializada em pessoas com mais de 50 anos, que levantou investimento de R$ 8 milhões de fundos como Canary e Maya Capital na pandemia. “A ideia é virar aquele médico de família de antigamente”, afirma Victor Marcondes de Oliveira, presidente da Nilo. A empresa oferece o atendimento pelo WhatsApp e tem parcerias com convênios e hospitais.

Gustavo Araujo, cofundador da empresa de inovação Distrito, explica que a aceleração das healthtechs na pandemia se deu especialmente em serviços que diminuem o contato humano. “Além da aprovação da regulação da telemedicina, outras soluções como convênios médicos digitais e prescrições virtuais ganharam força. Estamos percebendo também muitas startups apostando em internet das coisas”, diz.

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Direcionamento

Mais do que novas startups, o setor tem visto mudança no direcionamento dos negócios: boa parte das transformações nos últimos meses estão vindo de healthtechs que já estavam no mercado. 

É o caso da Omni-Eletronica. Criada em 2016 como um projeto dentro da USP, a empresa tinha como produto um aparelho que ajudava a monitorar a qualidade do ar em grandes espaços como aeroportos e shoppings. Com a pandemia, porém, a empresa viu a necessidade de turbinar a solução. “Agora, um escritório pode monitorar a qualidade do ar do ambiente, identificar a presença de partículas infectadas e mapear quantas pessoas estão no local”, diz Arthur Aikawa, cofundador da empresa, que é acelerada pela Liga Ventures. A Omni-Eletronica projeta crescer quatro vezes em receita neste ano. 

Esse movimento também está acontecendo com algumas startups incubadas dentro do centro de inovação do Hospital Israelita Albert Einstein. Em abril, a Radsquare, que trabalha com um sistema que mapeia temperatura do corpo, e a Hoobox, que possui uma tecnologia de reconhecimento facial, se uniram para criarem uma nova plataforma. Chamada Fevver, ela usa inteligência artificial (IA) para detectar temperatura de pessoas pelos dutos lacrimais – o serviço é oferecido para hospitais e empresas. 

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E depois?

Um dos questionamentos latentes no mercado é como ficarão as novas soluções das healthtechs depois que a pandemia passar. A resposta é incerta, mas alguns empreendedores já estão pensando nisso. 

A startup W3 Care, por exemplo, está adaptando para outras áreas o seu novo serviço voltado à covid-19. Fundada em 2018, a empresa era dona de duas plataformas de telemedicina antes da pandemia, focadas em pronto-socorro. Na quarentena, a W3 Care lançou o TeleCovid, um serviço gratuito de suporte médico para quem tem suspeita da doença. “Em setembro, vamos migrar o TeleCovid para uma plataforma maior de telemedicina, que atenderá diversas áreas da saúde”, diz Jamil Cade, fundador startup.

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Para Cláudio Terra, diretor de inovação do Albert Einstein, é uma questão de aproveitar o conhecimento. “Os bons empreendedores vão desenvolver competências adicionais. Eles vão usar todo o aprendizado para outros produtos”, afirma. 

Todas essas mudanças são parte do amadurecimento das healthtechs, avalia Igor Piquet, diretor de aceleração da Endeavor. “Estamos vivendo um ponto de inflexão para as healthtechs. Os principais frutos devem vir nos próximos três anos, quando devemos ter a primeira healthtech brasileira avaliada em mais de US$ 1 bilhão.” 

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