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Contra 'fadiga de Zoom', startup brasileira cria escritório virtual 'amigável'

Hive reproduz no mundo digital o ambiente corporativo físico para tentar tornar o home office mais organizado e pessoal

Por Gabriel Baldocchi (Broadcast)
Atualização:

Ao receber a reportagem do Estadão/Broadcast, Peter Kodic, executivo britânico radicado no Brasil há 35 anos, seguiu a cartilha de um bom anfitrião. Estava a postos na recepção no horário combinado e, de lá, iniciou um breve tour pelo escritório. Apresentou o time de marketing em suas baias, até chegar à sala de reunião onde a entrevista seria concedida. Trancou o ambiente e começou a explicar porque decidiu criar a Hive, plataforma de escritórios virtuais que permitiu as interações descritas acima sem que ninguém tivesse saído de casa. A startup reproduz o ambiente corporativo físico para tentar tornar o home office mais organizado e pessoal, e aposta no mercado global com o arrojado plano de chegar ao status de unicórnio (startup com valor de mercado acima de US$ 1 bilhão) em três anos.

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 "Sou da área de TI há mais de 30 anos e estava acostumado com o trabalho remoto, mas tive dificuldades de manter contato com todo mundo durante a pandemia", afirmou. "Buscamos uma solução para o problema de contato, de espontaneidade."

A plataforma será lançada oficialmente no Brasil até meados de maio, já com oito idiomas disponíveis. Uma semana depois começa a expansão internacional, a partir do México e dos Estados Unidos. Os planos são pagos, mas há um período de degustação gratuita. A meta é alcançar mais de 400 mil usuários em três anos, quando a empresa espera ter avançado nas rodadas de investimento a ponto de ser avaliada em US$ 1 bilhão.

 No momento, há negociações avançadas com um investidor-anjo e a expectativa é fechar outros US$ 4 milhões em aportes até junho numa série A, como é chamada a fase inicial em que uma startup levanta recursos. A verba será direcionada principalmente para marketing.

 Além de Kodic, que tem passagens pela AT&T e foi um dos responsáveis por trazer ao Brasil a Jive Telecom, de telefonia em nuvem, há outros seis sócios brasileiros e um americano. A plataforma também atende a instituições de ensino, com uma configuração voltada para simular um ambiente de sala de aula.

Escritório virtual da Hive Foto: Divulgação

Vida "quase" real

 Tudo funciona como no jogo The Sims (um simulador da vida real). A base do escritório virtual se dá sobre uma planta baixa que simula o ambiente físico, com recepção, bancadas divididas por departamentos, salas de reunião com trancas (que criam um ambiente privado para chat e conferências), sala de descanso e deck externo. Cada funcionário é representado por um avatar. Ao "sentar" na mesa no início do expediente, já pode interagir com outro por mensagem de texto, vídeo ou áudio.

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 Para chamar uma reunião, por exemplo, basta convidar os colegas para uma sala de uso compartilhado. Lá, as interações acontecem por videoconferência, com possibilidade de compartilhar telas, como outros serviços tradicionais usados com frequência na pandemia. A diferença é que todos já estão conectados. Não é preciso alinhar agendas, e o gestor consegue saber quem está em reunião.

 Mas o que levaria alguém a trocar o Zoom ou outras plataformas que despontaram globalmente como ferramentas de trabalho na pandemia por mais um aplicativo?

 "A grande diferença é a visualização do escritório, dos colegas de trabalho", afirma Kodic. "Sabemos que neste ano em que todo mundo está trabalhando remotamente surgiram problemas de solidão, efeitos psicológicos, dificuldade de gestão, falta de espontaneidade. Um grande número de ideias era debatido na área de café e essas conversas não acontecem mais."

 Ele cita ainda a integração de diversas ferramentas em uma só plataforma, além do fato de os gestores poderem organizar melhor as equipes no trabalho remoto.

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'Fadiga de Zoom'

 Kodic lembra que estudos mostram uma perda de eficiência do trabalho em algumas ferramentas virtuais. "Há relatórios que mostram como as pessoas estão com fadiga de tantas conferências por dia", afirma. O termo "fadiga de Zoom" simbolizou esse sentimento na pandemia, uma referência à principal plataforma de reuniões virtuais - o Zoom abriu capital na Bolsa em 2019 e deve faturar neste ano quase US$ 4 bilhões.

 Um estudo do laboratório de interações humanas e virtuais da Universidade Stanford apontou algumas razões para este cansaço. Entre elas estão o fato de a pessoa também se ver na tela - o que seria semelhante à surreal situação de um espelho perseguindo-a numa reunião presencial. Há ainda a sensação de que todos a vigiam, o que gera um estado de alerta.

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 A plataforma não ataca exatamente esses problemas. A alternativa para atenuar o afastamento virtual é estimular interações sociais. "É para ajudar a parte de relacionamento, que foi perdida no trabalho remoto. Um funcionário pode chamar o outro para trocar ideia", afirma Kodic.

 Para Dora Sampaio Góes, psicóloga do Grupo de Dependência Tecnológica do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, o principal benefício de plataformas que simulam de forma mais completa o escritório no ambiente virtual é aprimorar a organização do trabalho. "Quando falamos de fadiga de reuniões online, não vai ser isso (esse tipo de plataforma) que vai fazer a diferença. O relacionamento pessoal é soberano", afirma. "A ferramenta ajuda o trabalho, mas não no sentido de fadiga de videoconferência."

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 Ela cita como exemplo as dificuldades de se reproduzir virtualmente os elementos não verbais que fazem a diferença nas interações presenciais, e lembra ainda que a própria crise sanitária contribui com a fadiga, os gerar o medo de se contaminar e de perder o emprego, por exemplo.

 Na avaliação da psicóloga, o home office será mais bem aproveitado quando as infecções pela covid começarem a cair e os profissionais puderem usufruir do benefício de ficar em casa sem as pressões associadas à doença.

 Os fundadores da Hive acreditam que esse é um fator de sustentabilidade do negócio. A ferramenta deve ajudar a integrar os funcionários também quando as empresas estiverem em modelo híbrido, parte em home office e parte no escritório. Essa condição deve ser majoritária nos meses subsequentes ao fim da crise sanitária.

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