Diante da burocracia no País, empresas vão ao exterior para registrar patentes

Registro de invenção demora uma década para sair no Brasil, enquanto nos EUA leva três anos; INPI propõe acabar com fila de uma só vez

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Por Matheus Mans
Atualização:
Maior fabricante de processadores do mundo, Qualcomm tem 5 mil patentes aguardando aprovação do INPI Foto: ALBERT GEA|REUTERS-24|2|2016

Atualizado em 19 de agosto para corrigir a fala do pró-reitor de Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)​, Ado Jório.

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Uma década. Esse é o tempo médio que separa o momento em que um pesquisador ou uma empresa requisita uma patente no País até que ela seja emitida pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). A demora é fruto de uma fila longa, hoje formada por mais de 230 mil pedidos pendentes. A lentidão no processo, que garante a propriedade intelectual sobre a invenção ou inovação incremental – seja em um produto ou processo –, têm prejudicado pesquisadores e empresas de tecnologia no País.

Entre eles está o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD), um dos principais do País, que tem hoje 258 solicitações de registro de patente paradas na fila de espera do INPI. Neste ano, por exemplo, só recebeu a confirmação de três pedidos: um de 2001, outro de 2002 e um terceiro feito em 2006. “O INPI tem se esforçado para melhorar e o tempo para sair uma patente chegou a cair há alguns anos”, diz Maria Fernanda Ribeiro de Castilhos, gerente de gestão do conhecimento e da qualidade do CPqD. “Mas depois piorou novamente.”

A multinacional norte-americana IBM, que é a empresa que mais registra patentes no mundo – são cerca de 8 mil por ano, de acordo com a consultoria IFI Claims Patent Services –, hoje chega a registrar 50 patentes de tecnologias desenvolvidas no Brasil por ano.

Nenhuma delas, porém, é solicitada no País: são registradas nos Estados Unidos, onde uma patente sai em até três anos. “Aqui, precisamos passar pela trajetória penosa de preencher a papelada do patenteamento. É uma ‘missa do bispo’”, diz Fabio Gandour, cientista-chefe da IBM, sobre a burocracia do processo.

Para se ter uma ideia do problema, até janeiro de 2017, o INPI permitia que os pedidos de patente – que geram centenas de páginas, com descrições e esquemas de projetos – fossem entregues em papel, via correio; agora, só é possível enviar um arquivo PDF por meio do site. A digitalização, porém, não foi suficiente para resolver a questão.

Mesmo quem não desenvolve tecnologia aqui enfrenta problemas. É o caso da Qualcomm, maior fabricante de chips para smartphones do mundo. Embora a empresa não tenha um centro de pesquisa e desenvolvimento no País, ela registra localmente boa parte das tecnologias que vende. Hoje, mais de 5 mil pedidos da companhia estão na fila do INPI.

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“O Brasil é um mercado importante no contexto global e sempre registramos nossos produtos no País”, afirma Jorge Ávila, diretor sênior da Qualcomm no Brasil e ex-presidente do INPI. “Por segurança, muitas empresas depositam patentes nos EUA. É o jeito de escapar da insegurança jurídica criada pela demora no Brasil.”

Antecipação. Na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que é a campeã em registros de patente no País, com mais de 90 registros só em 2016, a lentidão do INPI gerou um fato inusitado. “Há cinco anos, foi emitida uma patente de limpador de cabeçote de videocassete. É um absurdo”, relembra Ado Jório, pró-reitor de Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), sem precisar o dono deste registro nostálgico. 

Universidades e empresas brasileiras não têm muita alternativa senão aguardar o INPI – o custo para registrar uma patente nos EUA pode chegar a R$ 10 mil, entre a patente e a contratação de um escritório local para intermediar o processo.

A fabricante de equipamentos de telemedicina Hi Technologies, que é parte do Grupo Positivo, tenta acelerar o processo no Brasil como pode, ao “fatiar” os produtos, registrando vários pedidos de patente mais simples no INPI. Hoje, a companhia possui 23 patentes registradas e 112 pedidos em andamento – cada produto da marca envolve até seis registros. Dessa forma, ela também tenta impedir a cópia do produto até que o registro final seja efetivado.

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Apesar dos esforços, na maioria das vezes, a patente só sai quando mais da metade de sua vida útil – em geral, de 20 anos – já passou. Isso tem feito a maioria das empresas e pesquisadores assumir o risco e colocar o produto ou serviço no mercado.

“Trabalhamos com a expectativa de direito”, diz Jório, da UFMG. “Começamos a oferecer a patente para o mercado logo que a depositamos no INPI.” A Hi faz o mesmo. “Ao protocolar o pedido, imaginamos que será aprovada”, diz o presidente da companhia, Marcus Figueredo.

Para advogados especializados em patentes consultados pelo Estado, a prática é arriscada. “Se a patente não for aprovada, a empresa pode ser processada, caso outra já tenha o registro”, afirma o advogado Leonardo Betolazzi, do Braga Nascimento e Zilio Advogados.

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À espera de um milagre. Enquanto as empresas tentam conviver com o problema, o INPI procura alternativas para zerar a fila de patentes pendentes. A primeira delas seria contratar mais de 650 servidores para colocar as patentes pendentes em dia até 2025. No entanto, o orçamento do INPI deste ano, de R$ 63,9 milhões, não cobriria os custos: segundo estimativa do próprio órgão, seria necessário um orçamento superior a R$ 1 bilhão por ano. “Estamos em busca de uma solução para deixar de atrasar a inovação nas empresas”, disse o diretor do INPI, Luiz Otávio Pimentel.

Outra opção seria a de adotar a equivalência em relação aos outros países: patentes aprovadas nos EUA, por exemplo, seriam automaticamente validadas no Brasil. A medida poderia eliminar 55% dos pedidos na fila – cerca de 126 mil patentes –, mas o INPI descartou a opção. Para Pimentel, isso poderia fazer com que pedidos mais recentes passassem à frente de outros que estão há mais tempo na fila, o que seria injusto. /COLABOROU BRUNO CAPELAS

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