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Fintechs fazem empréstimos com dinheiro de pessoas físicas

Após publicação de resolução pelo BC, setor ganhou força e empresas passam de R$ 100 mi em empréstimos

Por Luiza Dalmazo
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O microempresário paulista Paulo Sérgio Bernardes, dono da empresa de painéis solares Sorosolar, procurou dois grandes bancos, em 2017, para pedir um empréstimo. Apesar de faturar R$ 1 milhão e ter mais de 200 clientes em oito Estados, foi ignorado. De olho no avanço das fintechs, Bernardes buscou alternativas na internet. Recorreu à Biva – posteriormente adquirida pela PagSeguro – e à Nexoos. Conseguiu créditos de R$ 95 mil, a juros entre 2% a 4% ao mês, bem abaixo dos valores cobrados pelas instituições tradicionais.

Desta forma, Bernardes entrou no segmento de empréstimos entre pessoas físicas (ou peer to peer). Só a Nexoos, fundada em 2014, pretende fechar o ano com empréstimos de R$ 120 milhões para micro, pequenas e médias empresas. Outra startup, a Geru, que existe desde 2013, já concedeu mais de R$ 600 milhões em crédito. Para o microempresário, a vantagem das fintechs não está só nos juros, mas também na burocracia reduzida. “O crédito sai em 15 dias, não preciso falar com gerente, o trâmite é online e não precisei abrir conta”, diz. 

Nexoos, de Nicolas Arrellaga, atua no setor de crédito desde 2014 Foto: Werther Santana/Estadão

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Regulamentação. O setor chamou a atenção do Banco Central: em abril, a instituição publicou uma resolução que permite a empresas conceder crédito sem a intermediação bancária. “A medida vai aumentar a oferta e a concorrência no setor”, diz o chefe do Departamento de Regulação do Sistema Financeiro do Banco Central, João André Calvino Marques Pereira. Até o momento, nenhuma empresa recebeu a autorização, considerada complexa por analistas, mas cinco aguardam para serem aprovadas – três como Sociedade de Crédito Direto e duas como Sociedades de Empréstimos entre Pessoas. 

É um cenário diferente do de 2010, quando o BC chegou a envolver a Polícia Federal para ajudar a fechar as portas da Fairplace, startup pioneira do setor no País, aberta em 2010. O que mudou, de lá para cá, foi o impacto que esse tipo de startup começou a causar na economia global. 

Essa modalidade de crédito surgiu no Reino Unido em 2005. Hoje, nomes como Zopa e Funding Circle já faturam mais de US$ 50 milhões ao ano e fazem a economia circular – um estudo da Oxford Economics, lançado em 2017, diz que os empréstimos realizados pela Funding Circle geraram contribuições anuais de US$ 5 bilhões à economia dos quatro países em que atua. De cada US$ 1 emprestado pela startup às pequenas empresas, US$ 1,92 voltou para a economia local. “O crédito barato muda a dinâmica dos países”, diz Rafael Schur, sócio da consultoria EY. 

Inspiradas pelo exemplo de fora, as startups brasileiras começaram a operar mesmo sem regulamentação específica. “A forma mais comum foi operar em parceria com instituições já reguladas pelo BC e fazer uma ‘barriga de aluguel’ para comprovar o mínimo de capital exigido”, explica Bruno Diniz, sócio da consultoria de inovação Spiralem. Para especialistas, as dezenas de empresas de crédito entre pessoas em operação no País deverão continuar operando, no curto prazo, com essas parcerias. 

Domínio. Hoje, 80% de crédito fornecido no Brasil é realizado pelos cinco grandes bancos – Itaú, Banco do Brasil, Caixa, Bradesco e Santander. As taxas vão de juros começam em 70% ao ano e vão até 300%, em alguns casos. Não à toa, diz o Sebrae, que atualmente menos de 8% das micro e pequenas empresas do País têm acesso a crédito atualmente. 

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Para superar esse cenário, as empresas apostam em muita tecnologia e análise de dados. A startup Iouu, por exemplo, que já aprovou R$ 1 milhão em empréstimos e tem 6 mil usuários cadastrados, analisa cerca de 500 informações antes de aprovar os pedidos de crédito. Hoje, o mercado também já atende a pessoas físicas.

Quanto melhor a análise feita pelas empresas, maior a garantia que elas têm de emprestar a juros mais baixos, atraindo tomadores de crédito – muitos deles, interessados até em trocar dívidas por juros mais baixos. Segundo Sandro Reiss, presidente da Geru, o perfil mais comum de cliente de seus serviços são de pessoas que entraram no cheque especial ou tentam refinanciar seus débitos. “Tem gente que quer dinheiro para casar, reformar um imóvel ou fazer uma cirurgia”, conta. 

Sandro Reiss, da Geru, já deu mais de R$ 600 milhões em crédito Foto: Helvio Romero/Estadão

Risco. Com uma análise de risco mais bem feita, cresce a segurança da fintech em oferecer uma taxa atraente de rentabilidade para os investidores. A Nexoos, por exemplo, promete aos investidores retorno médio de 18% ao ano, pós-inadimplência – valor 170% superior ao ganho do CDI, usado como referência de aplicações de renda fixa. 

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Mas também busca evitar riscos às pessoas físicas: exige investimento mínimo de R$ 2 mil e sugere que os empréstimos sejam concedidos a pelo menos 20 empresas, para diversificar o portfólio. Segundo os sócios Daniel Gomes e Nicolas Arrellaga, da Nexoos, não se trata de uma opção de investimento para quem é iniciante e tem poucos recursos disponíveis.

Para analistas, é um mercado jovem, mas com bastante potencial. “O País acertou em regular para fomentar o aumento de crédito e garantir mais maturidade para que seja possível dar outros passos”, afirma Rafael Pereira, presidente da Associação Brasileira de Crédito Digital. Um desses passos, dizem os especialistas, é a busca de nichos, com o possível surgimento de empresas especializadas em crédito estudantil, mobiliário ou para setores específicos de micro e pequenas empresas. 

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