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Mais fiscalização e menos escândalos

De acordo com o New York Times, o Facebook teria realizado parcerias com mais de 150 empresas, permitido que elas tivessem acesso a diferentes tipos de dados pessoais de seus usuários sem o seu devido consentimento

Por Dennys Antonialli
Atualização:

2018 foi um ano difícil para o Facebook. Depois do escândalo da Cambridge Analytica, que obrigou Mark Zuckerberg a se explicar perante o Congresso dos Estados Unidos, e das crescentes demandas para combater de maneira mais eficaz conteúdos de desinformação e de ódio que se espalham pela plataforma, nesta quarta-feira, 19, o The New York Times lançou mais uma bomba. De acordo com o jornal, nos últimos anos, o Facebook teria realizado parcerias com mais de 150 empresas, incluindo gigantes como Microsoft, Apple, Amazon e Yahoo, e permitido que elas tivessem acesso a diferentes tipos de dados pessoais de seus usuários sem o seu devido consentimento, como lista de amigos, endereços de email, e até o conteúdo de mensagens privadas.

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Muito além de expor decisões questionáveis da empresa no que diz respeito ao compartilhamento de dados de seus usuários, as revelações evidenciam graves falhas no modelo de fiscalização adotado nos Estados Unidos. Lá, assim como não há uma lei geral de proteção de dados, também não há uma autoridade exclusivamente responsável por fiscalizar a atuação das empresas no que tange à proteção de dados pessoais. Essa tarefa é desempenhada pela Comissão Federal do Comércio, cuja atribuição principal é atuar em temas ligados à concorrência. Dado o seu papel de destaque na defesa dos direitos do consumidor, a Comissão assumiu também a missão de zelar pela privacidade dos usuários de internet, sendo considerada o principal órgão fiscalizador da matéria nos EUA, onde está sediada grande parte das empresas do setor.

Embora tenha conduzido investigações importantes e estimulado as empresas do setor de internet a disponibilizar políticas de privacidade mais claras e detalhadas, o trabalho da Comissão parece não ser suficiente para evitar novos escândalos. De fato, a tarefa é hercúlea: as operações de coleta e tratamento de dados encampadas pelas empresas de internet são complexas e “invisíveis”. Fiscalizá-las exige recursos, conhecimento técnico, autonomia e independência. Só para apurar o esquema das parcerias feitas pelo Facebook, o NYT teve que reunir e analisar mais de 270 páginas de documentos internos da empresa, conduzir mais de 60 entrevistas anônimas e realizar inúmeros testes técnicos.

Mas essas dificuldades não podem servir de justificativa para uma atuação tímida da Comissão. Sob sua jurisdição, estão empresas que estabelecem práticas e políticas que se aplicam a usuários do mundo todo. Em grande medida, dependemos dela para poder confiar que essas empresas estão honrando com os compromissos públicos que firmam. Afinal, em muitos segmentos, é a fiscalização do Estado que garante a aderência do setor privado às normas e boas práticas. Imagine se o consumidor tivesse que se preocupar com o cumprimento das normas de vigilância sanitária antes de consumir um iogurte ou com a documentação e estado do motor de um avião antes de embarcar. Em setores como esses, cujos danos para o consumidor parecem muito mais palpáveis, o investimento na fiscalização sempre foi tido como essencial. Em um mundo conectado, está na hora de encarar a privacidade como uma dessas prioridades.

Recentemente, o Brasil aprovou uma lei geral de proteção de dados. Foi um passo importante no estabelecimento de regras claras para a atuação dos setores público e privado ao lidar com dados pessoais. No entanto, a fiscalização a respeito de seu cumprimento depende da criação de um órgão independente. O Presidente Temer vetou a criação do órgão e, até o momento, não há certeza sobre quando e como ele será criado. Sem ele, nossa única fonte de informação continuarão sendo os escândalos.

*Dennys Antonialli é ex-professor da Faculdade de Direito da USP e diretor do InternetLab, centro de pesquisa em direito e tecnologia.

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