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Meu chip, minhas regras

Não parece ser legítimo admitir que alguém possa ser obrigado a inserir um biochip no corpo para acessar locais ou ter o seu trabalho controlado

Por Carlos Affonso Souza e Chira de Teffé
Atualização:

O corpo é a fronteira final. É um espaço de liberdade e não de coerção. O Direito reconhece esse limite e garante a todos integridade física e possibilidades de tomar decisões sobre o seu corpo, guardadas restrições que, não raramente, são questionadas a partir dos mais variados pontos de vista. Proteger o próprio corpo e dispor dele como desejar são elementos fundamentais para o exercício desse direito.

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Mas o corpo é limitado, ao passo que o desenvolvimento tecnológico parece indicar que as fragilidades corporais poderão ser suplantadas, com ampliação das possibilidades. Entram em cena os biochips e outros dispositivos que, inseridos no corpo humano, garantem ao seu titular uma série de novas funções.

O número de casos de pessoas que inseriram chips em seus corpos ainda é reduzido. Não há dúvidas de que eles podem melhorar a segurança ao aprimorar a identificação, otimizar transações comerciais e aumentar a qualidade de vida (através do monitoramento da saúde), bem como facilitar a comunicação entre dispositivos e humanos.

Não parece legítimo, porém, admitir que alguém possa ser obrigado (pelo Estado ou por empregadores, por exemplo) a inserir um biochip para acessar locais ou ter tempo de trabalho controlado. Toda limitação que envolver a integridade corporal deverá estar vinculada direta e imediatamente ao interesse e à manifestação de vontade livre do titular.

Além da integridade física, é preciso observar a privacidade e a proteção de dados pessoais. O corpo, com seu movimento e rotina, cria um manancial de informações que podem ser coletadas. As empresas que criam os dispositivos e suas aplicações devem garantir aos usuários transparência sobre a coleta dos dados, as finalidades para as quais eles serão tratados, bem como meios para retificação. Diferente de simples apps instalados em um celular, os biochips são obviamente mais intrusivos.

O Brasil não possui uma lei geral sobre dados pessoais, embora a proteção desse direito esteja prevista na Constituição, no Código de Defesa do Consumidor e no Marco Civil da Internet. Foram estabelecidos direitos essenciais para o usuário com base na autodeterminação informativa, além de confirmados princípios como a finalidade da coleta dos dados e a proibição de seu uso abusivo.

A ausência de uma lei geral pode dificultar soluções necessárias para casos complexos envolvendo os biochips. Ao invés de impedir o desenvolvimento tecnológico, uma lei geral daria segurança jurídica para que as empresas – que criam dispositivos ou aplicações – saibam os parâmetros para atuarem no País.

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Se o corpo é a fronteira final e a tecnologia audaciosamente está nos levando onde ninguém jamais foi, é importante não esquecer o papel que o Direito tem a desempenhar na proteção da pessoa e dos seus dados, que afinal de contas formam um verdadeiro corpo digital.

Carlso Affonso Souza é professor de direito da UERJ e diretor do ITS-Rio; Chiara de Teffé é mestre em direito na UERJ e pesquisadora do ITS-Rio

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