Será que Donald Trump faria uma rede estatal de 5G?

Provavelmente ele tentaria fazê-lo da forma errada, como Hugo Chávez faria. Mas se acertar, pode ser uma grande ideia para desenvolver a internet nos EUA

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Por Tim Wu
Atualização:
Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Foto: Michael Reynolds/EFE

Ninguém pode acusar a administração Trump de ser tediosa, especialmente quando se trata de telecomunicações. De acordo com documentos vazados recentemente, há uma proposta circulando na Casa Branca de se construir um sistema federal de telecomunicações 5G – a próxima versão de uma rede de banda larga móvel – ou talvez até mesmo estatizar as redes 5G que as empresas privadas de telecomunicações estão sendo construídas agora. (5G é a “quinta geração” de protocolo sem fio, que promete ser mais rápida e mais segura que o atual 4G, mas exige novas antenas e estações rádio base).

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A proposta da Casa Branca – hoje, nada mais que uma ideia – é motivada por preocupações com ameaças à segurança, relacionadas ao desenvolvimento pela China de redes 5G. Mas a motivação mais forte para a construção de uma rede nacional é diferente. Feita de forma correta, uma rede estatal de 5G poderia poupar muito muito dinheiro para os americanos e reviver a concorrência no que se tornou um oligopólio enraizado entre quatro empresas. Feita de forma errada, poderia parecer com algo tirado do desastroso manual de economia de Hugo Chávez.

Os americanos gastam um volume extraordinário de dinheiro em telecomunicações. A indústria do cabo é o maior vilão: como os fornecedores de TV a cabo têm pouca concorrência concreta, as contas desses serviços cresceram muitas vezes acima da taxa de inflação e podem facilmente chegar a milhares de dólares por ano. O serviço de celular também não é exatamente uma pechincha. E com planos para conectar carros, torradeiras e animais de estimação à internet, as contas de banda larga podem continuar a subir às alturas.

Essas contas, coletivamente, funcionam como um imposto privado sobre toda a economia. Será que uma rede pública poderia 5G diminuir esse imposto?

Uma rede nacional de 5G seria uma espécie de Autoridade do Vale do Tennessee do século XXI. O governo construiria ou arrendaria torres em todo o país, priorizando áreas não atendidas e criando uma empresa de utilidade pública que venderia banda larga a preço de custo. Esta banda larga barata estaria disponível para revenda por qualquer pessoa que desejasse fornecer banda larga doméstica ou sem fio, criando dessa forma um novo modelo comercial para pequenos revendedores locais.

A nova competição poderia poupar o dinheiro das pessoas de várias formas. Primeiro, poderia criar concorrência de preços para as quatro operadoras americanas (Verizon, AT & T, T-Mobile e Sprint). Mais importante, poderia fazer o mesmo para a banda larga a cabo, cujos provedores enfrentam mínima concorrência na maioria das áreas. E pode dar às pequenas empresas de telecomunicações uma oportunidade para melhorar suas perspectivas. Como resultado, os preços poderiam ser mais baixos e novos empregos poderiam ser criados.

Tal como acontece com qualquer infraestrutura pública, o tema em questão torna-se mais relevante se a indústria privada não o construir e o benefício público seja considerável. A questão para vias públicas baseia-se no pressuposto de que a indústria privada não construirá estradas que cubram todo o país. Em telecomunicações, vemos um padrão semelhante: empresas como a Verizon ficaram felizes em construir serviços de fibra óptica ou 4G em cidades como Boston e Nova York, mas estão menos entusiasmadas em fazê-lo nos rincões pobres e rurais dos EUA.

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Mas a questão de uma rede nacional 5G vem com duas ressalvas importantes. Primeiro, precisa ser feita da forma correta. Uma abordagem vinda de uma forte autoridade – nacionalizando as redes incipientes da AT & T e da Verizon em vez de construir novas – também segue o estilo Chávez. Confiscar ativos privados em tempo de paz, sem uma boa razão, estabelece um precedente perigoso. E não é preciso ser paranoico para temer a combinação do maior governo do mundo e das maiores empresas de telecomunicações. Qualquer rede de 5G de propriedade federal precisaria ter proteções de privacidade e ser tão separada dos ramos políticos quanto possível.

A segunda ressalva é que, embora o governo possa ser bom em construir coisas, seu registro de gestão é menos inspirador. Qualquer rede nacional que ele construa deve ser de propriedade do governo na sua primeira década, pelo menos, e depois vendida para quem der o melhor lance.

A ideia de uma “5G Trump” chega como um choque indesejado para as principais empresas de telecomunicações e seus aliados. Ajit Pai, presidente da Comissão Federal de Comunicações (FCC, a agência reguladora de telecomunicações dos EUA), advertiu que “qualquer esforço federal para construir uma rede estatal de 5G seria uma distração custosa e contraproducente” na tentativa de vencer “a guerra 5G”. 

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Presumivelmente, ele não quis afirmar que concorrência é ruim, mas que um plano de nacionalização fará com que a indústria privada pare de investir em suas redes. Muito justo. Mas a economia tem inúmeras outras áreas em que os programas privados e públicos competem, e a questão principal é saber o quão considerável seria realmente a perda de incentivos privados e se os benefícios públicos os compensariam.

Essa é uma decisão difícil. Mas se vencer a guerra pela 5G é a prioridade da FCC, uma rede federal pode ser a forma como conquistaríamos a 5G para mais cidadãos, mais rapidamente. É certamente uma ideia maluca, mas estamos vivendo em tempos malucos, e se for bem realizada, a proposta merece séria consideração. / Tradução de Claudia Bozzo

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