Startups começam a desenvolver serviços financeiros dentro de casa
Pagamentos, carteiras digitais e antecipação de recebíveis entram na estratégia de empresas como Singu e Movile
29/05/2019 | 05h00
Por Luiza Dalmazo, especial para o Estado - O Estado de S. Paulo
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Toda segunda-feira, uma reunião dá as boas vindas aos profissionais recém-chegados à plataforma da Singu, startup de serviços de beleza em domicílio. Nesses encontros, muitas histórias em comum: mulheres endividadas e sem dinheiro para comprar comida durante o mês, já que muitos salões pagam quinzenalmente. “Paguei a dívida de uma delas, mas depois tentei descobrir como a empresa podia resolver esse problema e elas pudessem receber todos os dias”, conta Tallis Gomes, fundador da startup. A solução foi criar um sistema de adiantamento de recebíveis, usado por 90% dos mais de 3 mil profissionais que prestam serviços como manicure e massagem na plataforma.
Operar serviços financeiros não é a atividade principal da Singu, mas se tornou parte da estratégia. Não é uma exceção: é crescente o número de startups que adicionam uma “roupa de fintech” (startup de serviços financeiros) a seu portfólio. É o caso da empresa de mobilidade Yellow, do serviço de entregas Rappi e da Movile, que controla a startup de delivery de comida iFood.
Carteira. Singu, de Tallis Gomes, oferece antecipação de recebíveis para profissionais de beleza; empresa também quer lançar serviços de crédito para parceiros hoje desbancarizados
“É uma tendência forte, não só no Brasil”, diz Bruno Diniz, especialista em fintechs da Associação Brasileira de Startups (ABStartups). De fato: Amazon e Apple entraram no setor nos últimos anos, enquanto, na China, “ter carinha de fintech” é praticamente regra entre as gigantes de tecnologia. O principal caso é o da Alibaba, que fundou a Alipay, em 2011. Rebatizada como Ant Financial, a empresa é a startup mais valiosa do mundo, avaliada em US$ 150 bilhões após rodada de aportes feita em 2018.
No caso da Singu, o serviço é simples: hoje, os profissionais de beleza ficam com 65% do valor do serviço prestado. Se quiserem receber o pagamento no mesmo dia, porém, a fatia cai para 60%. Como muitos parceiros da startup são desbancarizados, a empresa também quer lançar serviços de crédito. “Em um ano, todos os marketplaces estarão ‘um pouco’ fintechs”, diz Gomes, pioneiro das startups no País – em 2011, ele fundou a EasyTaxi.
Feito em casa
Há motivos para que as empresas estejam de olho em serviços financeiros. O primeiro é que, com isso, elas podem ficar com uma fatia maior da receita gerada pelo serviço. Outro é que, segundo elas, desenvolver um sistema financeiro dentro de casa é mais fácil e eficiente. Além de dominar tecnologia, elas podem usar os dados que acumularam sobre os costumes de seus usuários, em vez de transferir um grande volume de informações a um terceiro.
Ao começar a operar serviços financeiros, as empresas também podem descobrir outras necessidades dos clientes. Foi o que ocorreu com o grupo Movile, cujo iFood hoje processa mais de 17,4 milhões de pedidos por mês.
No início, a empresa precisava gerar boletos no fim de cada mês para que os estabelecimentos pagassem sua comissão. “Essas necessidades nos levaram a criar serviços financeiros”, diz Thomas Barth, diretor financeiro da MovilePay – criada em janeiro. O início da operação do braço financeiro da empresa foi marcado pelo lançamento do pagamento via QR Code que, em cinco meses, acumulou 10 mil estabelecimentos – incluindo não só o iFood, mas também mercados e farmácias.
Costurando para fora
Às vezes, o “braço fintech” das startups acaba gerando até mesmo novas funções para a empresa. Foi o que ocorreu na Rappi, nascida como “delivery de qualquer coisa”. Hoje, sua divisão de pagamentos, o RappiPay, permite não só o pagamento de serviços com QR Code, mas também a transferência de dinheiro entre usuários, cada um com sua carteira digital.
Rede. MercadoPago, de Stephens: 50 mil lojas com QR Code
Quem está um passo à frente nesse sentido é o Mercado Livre e seu braço financeiro, o MercadoPago, criado em 2007 – bem antes da palavra “fintech” existir. Sua meta era amenizar a insegurança da plataforma – seja por quem coloca um produto no correio sem garantia de pagamento ou de quem paga sem ter certeza de que receberá o que deseja.
O pulo do gato se deu quando o MercadoLivre percebeu que também podia ajudar pequenas e médias empresas a ganhar espaço. No primeiro trimestre, a ferramenta de pagamentos somou US$ 5,6 bilhões em volume total transacionado. Boa parte deles com QR Codes. “Em abril, pela primeira vez tivemos mais pagamentos via Mercado Pago fora do site que deu origem à empresa do que dentro”, diz Daniel Stephens, líder de produtos do Mercado Pago. Hoje, o negócio é composto não só por uma plataforma própria, mas também por maquininhas móveis, pagamentos com códigos QR (em mais de 50 mil postos) e sistema oferecido para outros sites de comércio eletrônico.
Os números levaram as ações da empresa subir até 22% após a divulgação do balanço, atingindo valor recorde. São exemplos que abrem espaço para uma nova batalha no mercado: a dos pagamentos móveis. As startups já estão uniformizadas – com roupa de fintech, claro.
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