Startups que combatem violência contra mulher têm dificuldade em captar recursos

Com forte impacto social, ferramentas buscam parcerias com governos e empresas para se manterem no ar

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Por Larissa Gaspar
Atualização:

Filha de uma cobradora de ônibus e ex-estagiária de uma administradora de frotas do Nordeste, Simony César passou anos ouvindo casos de assédio sexual contra mulheres no transporte público brasileiro. “Eu ficava na mesma sala que o serviço de atendimento ao consumidor, sabia das reclamações que chegavam. As denúncias de assédio não iam nem para uma planilha do Excel”, conta. A indignação levou-a a criar, em 2016, o Nina Mobile, uma tecnologia que permite mapear e denunciar delitos em ônibus, trens e metrôs.

A cada 6,1 segundos uma mulher é vítima de assédio em transporte público, segundo dados do Relógio da Violência do Instituto Maria da Penha. Mas, apesar da sua importante função social, o Nina Mobile tinha dificuldade para se tornar um negócio sustentável. Até que, em março de 2019, Simony conseguiu integrar o serviço ao aplicativo de ônibus da Prefeitura de Fortaleza, depois de ganhar um edital de US$ 20 mil, liderado pela Toyota Mobility Foundation e pela WR Brasil. 

Estratégia. 'Plataforma de inteligência': Simony, do Nina, teve de mudar discurso para não ver o app de denúncia de assédio no transporte público morrer Foto: Flavio Tavares/Nina

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“Quando ocorre uma denúncia, a Nina localiza o ônibus de imediato, notifica a empresa para salvar as imagens e as encaminha para a Polícia Civil”, explica a empreendedora. Só nos primeiros meses, o app coletou mais de 1,3 mil queixas – e 9% delas viraram denúncia. Nos primeiros seis meses, a integração era apenas um teste, como parte das metas do edital. Agora, a startup recebe da capital cearense pelo serviço. Além disso, cidades como Recife, Salvador, Sorocaba e Guarulhos estudam implementar a tecnologia da Nina. 

Mas, para não ver seu projeto abandonado, Simony teve de adaptar ao mercado o discurso do Nina Mobile, uma homenagem à cantora Nina Simone. “Queremos passar a mensagem de que a mulher, que representa 60% dos usuários, está vulnerável no transporte público, mas apresento a Nina como uma ferramenta de inteligência para planejamento das cidades”, diz a empreendedora. “No fim das contas, é algo que mexe no bolso de governo e empresários.” No fim das contas, a startup conseguiu ser uma exceção à regra ao receber em torno de R$ 500 mil em investimento semente da In3citi, fundo de venture capital cearense. 

Dentro de casa

Manter seu projeto de impacto social de pé é uma preocupação que também passa pela cabeça de Renata Albertim, diretora executiva da Mete a Colher, startup que busca conectar vítimas de violência doméstica em busca de ajuda a voluntárias. Segundo dados mais recentes do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mais de 260 mil mulheres foram vítimas de violência doméstica em 2018. 

Fundada em 2017, a Mete a Colher tem mais de 14 mil mulheres cadastradas em seu app gratuito – e 4 mil delas já sofreram algum tipo de abuso. “Estamos tentando resolver o problema da violência contra a mulher. Mas como vender isso e fazer as pessoas verem valor?”, indaga Renata.

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Em seus dois primeiros anos, a empresa fez campanhas de financiamento coletivo e buscou patrocínios. Renata, por sua vez, passou a oferecer palestras e consultorias para empresas para manter o app do Mete a Colher. A demanda por esse tipo de serviço acabou gerando o novo projeto da startup, o Sobre a Tina. Voltado ao mercado corporativo, o serviço pretende ser uma linha de atendimento para que funcionárias de companhias possam pedir ajuda. 

Procura. Carolina, do PenhaS: app busca sustentabilidade Foto: Nego Junior/PenhaS

A cobrança é feita de acordo com o número de funcionárias, por meio de uma assinatura mensal. Entre os clientes atuais, estão Carrefour e Natura. “Com essa plataforma, esperamos conseguir gerar receita para financiar a startup”, diz a executiva. “Queremos que empresas reflitam sobre quanto perdem se não ajudam uma funcionária que sofre violência doméstica.” 

Desafio

Criar e manter um negócio de impacto social no Brasil é uma tarefa difícil. De acordo com o Mapa de Negócios de Impacto Social + Ambiental do Brasil, feito pela plataforma Pipe.Social, 80% dos empreendedores de impacto estão em busca de recursos financeiros. Ao mesmo tempo, as startups fundadas ou cofundadas por mulheres recebem menos da metade dos investimentos, em comparação com empresas fundadas só por homens, segundo levantamento global realizado pelo Boston Consulting Group (BCG).

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Na visão da superintendente do Instituto Maria da Penha, Conceição de Andrade, o papel mais importante dessas startups é dar acesso à informação. “É preciso divulgar quais são os tipos de violência, onde procurar ajuda, formar redes. Isso é importante para que elas se percebam numa situação de violência e busquem ajuda”, pontua. Mas só conceder dados não sustenta as empresas. 

Para Alessandra Andrade, gerente do Business Hub da Faculdade Armando Álvares Penteado (Faap), às vezes é “se despir do viés social e trazer o viés do impacto social”. Para ela, por mais que um assunto seja sensível, é necessário vendê-lo como um negócio que gere renda, seja sustentável ao longo prazo e ainda assim crie uma mudança na sociedade. “Tudo que é feito por caridade, é dependente. Se criamos um modelo que pode render, a gente traz dinheiro. E dinheiro traz liberdade de ação”, afirma a pesquisadora. 

Do bolso

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É algo que está na mira da ONG AzMina, responsável pelo app PenhaS, em referência à Lei Maria da Penha. Em 2016, o app levantou recursos com um fundo internacional para projetos de gênero. O dinheiro possibilitou o desenvolvimento do serviço durante dois anos. 

Lançado em março de 2019 para Android e iOS, o Penha S traz informações sobre direitos femininos, um chat secreto para mulheres conversarem sobre suas histórias e uma área para pedidos de ajuda urgentes. Agora, busca parcerias para se manter no ar. “Pensamos na sustentabilidade do aplicativo. Sempre quisemos que o app fosse uma parceria da sociedade civil com o Estado e as empresas”, diz Carolina Oms, diretora executiva da AzMina.

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