Tijolo por tijolo, startups de construção ganham escala e sonham com o status de ‘unicórnio’

Setor surfou na pandemia, mas pode enfrentar maus momentos com alta dos juros, inflação e desabastecimento de materiais

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Por Guilherme Guerra
Atualização:

Ao contrário dos setores financeiro, educacional ou de saúde, a construção civil ocupa pouco espaço no rol das startups brasileiras, representando 3% do total, segundo a Associação Brasileira de Startups (ABStartups). Além disso, não há nenhum unicórnio (companhia avaliada em mais de US$ 1 bilhão) desse segmento entre os 23 nomes que ocupam esse seleto clube. Mas a oportunidade no ramo é grande, já que o “canteiro de obras” é um dos setores menos digitalizados, mas mais importantes da economia nacional.

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Tijolo por tijolo, as startups da construção civil (ou “construtechs”) vêm construindo o seu lugar no ecossistema de inovação brasileiro, focando em tarefas específicas para reduzir custos e agilizar processos. É o caso da Ambar, que levantou US$ 36 milhões em dezembro de 2021. A empresa trabalha em duas frentes: em uma, produz peças modulares (como se fossem peças de Lego) para compor sistemas hidráulicos e elétricos. Em outra, desenvolve um software para gerenciamento de funcionários e documentação de uma obra. 

“Nós queremos ser o ‘Google Drive’ da construção civil”, diz ao Estadão o presidente executivo da Ambar, Bruno Balbinot — ele se refere à ferramenta da gigante da tecnologia americana, que oferece uma gama de serviços em nuvem para o mundo corporativo. Fundada em 2013, a startup planeja operar no azul em 2022, quando espera somar 13 mil clientes — hoje, são 2 mil. “Estamos construindo um ecossistema de soluções para simplificar obras, ajudando construtoras e incorporadoras.”

Construção civil é um dos setores mais importantes da economia nacional, mas um dos menos digitalizados Foto: Daniel Teixeira/Estadão - 3/2/2022

Como ocorreu em outros segmentos, Ambar e construtechs  sofreram com o início da pandemia de covid, que assustou investidores. Porém, a digitalização que veio na sequência também beneficiou a construção civil, que foi considerada serviço essencial no Brasil e continuou em obras. Isso, somados aos juros básicos em patamar mais baixo da história do País (a Selic chegou a 2% ao ano), tornou o cenário perfeito para que essas startups se catapultassem.

“Nesse período, muita gente precisou rever seus lares, o que aumentou a demanda por novas obras e empreendimentos. E também usamos o contexto de digitalização e de eliminação do contato físico para incentivar a não utilização do papel nos canteiros”, conta Diego Mendes, fundador e presidente executivo da Construcode, de assinatura e revisão de documentos por meio de códigos QR. A plataforma também utiliza inteligência artificial (IA) para recomendações preditivas nas obras, evitando erros.

A startup, cujo serviço é atualmente utilizado em 1,4 mil obras pelo País,  é controlada pela Trutec, ecossistema da gigante Vedacit que reúne outras 12 companhias de tecnologia especializadas em construção.

Depois da folia, a quarta de cinzas

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Apesar do impulso, algumas dificuldades esperam as construtechs em 2022. Este ano traz um novo ciclo de alta dos juros básicos em todo o mundo, incluindo o Brasil, onde a taxa da Selic ultrapassa os 10% e pode ter pico de 12,5%, segundo o Boletim Focus, do Banco Central. Intensiva no uso de crédito, a construção civil é seriamente afetada por um cenário de empréstimos mais caros.

Além disso, a inflação é especialmente cruel com esse segmento, em que a alta dos preços dos materiais atinge negativamente as obras — o que exige novos cálculos e novos orçamentos, atrasando entregas. As startups, porém, são otimistas e reafirmam o lema do ecossistema de inovação: a crise é uma oportunidade de crescimento. 

Fundada por Diego Mendes, startup Construcode quer eliminar o uso de papeis nos canteiros de obras do Brasil Foto: Tiago Queiroz/Estadão - 25/2/2022

Alexandre Quinze, presidente executivo da Trutec, reconhece que o prolongamento da crise econômica pode afetar o bom momento das construtechs. Além disso, uma eventual acentuação do desabastecimento mundial de materiais (que afeta a categoria) também pode ser prejudicial nos próximos anos. “O ano de 2022 é bem desafiador, mas temos a chance de ajudar as construtoras a rever eficiência e produtividade”, diz ele.

Para Hugo Tadeu, professor da Fundação Dom Cabral, o maior desafio dessas startups nesse cenário é se manter ligada aos clientes tradicionais do setor, que podem ser afetados pela crise se não tiverem caixa.

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“Se eu parto do pressuposto de que essas startups dependem das construtoras para terem financiamento, isso significa que as parcerias vão depender da disponibilidade de dinheiro dessas empresas”, aponta. “Mas existe muita oportunidade para vincular essas duas pontas, desde que saibam conversar.”

‘Unicórnios’ demoram para serem ‘construídos’

Por operar de forma mais devagar que outras categorias (ajudar a levantar edifícios leva muito mais tempo do que vender software de finanças, dizem os empresários), o ciclo de crescimento das construtechs funciona de outra forma, o que explica o motivo de ainda não haver grandes nomes no Brasil — ainda que a categoria tradicional conte com gigantes de faturamento bilionário, como Andrade Gutierrez, MRV e Cyrela, entre outros.

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“As curvas de investimento em inovação nesse setor são demoradas, porque exige novos investimentos em materiais e novos processos construtivos”, explica Tadeu.

O investidor Bruno Loreto, do fundo Terracotta Ventures (especializado em construtechs e proptechs, do ramo imobiliário), fala que essa característica torna mais longo o ciclo de retorno das startups de construção, quando comparadas a outros ramos. “A startup fica refém do prazo da obra”, diz.

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Apesar disso, o mercado de inovação espera unicórnios em breve. É nisso em que aposta a Sooper, plataforma de atacado de materiais de construção — o objetivo da startup, que levantou R$ 32 milhões em janeiro após nascer em novembro de 2021, é negociar com lojinhas de bairro que precisam de estoque. A expectativa é digitalizar um dos ramos do varejo menos digitalizados.

“Existe um oceano azul de mercado aqui no Brasil. Começamos a Sooper atacando um problema, mas existe muitas oportunidades, como em gestão, produtos financeiros, logística, capital de giro”, explica Rafaela Khouri, presidente executiva da startup e cofundadora junto com Hygor Burza Dupin. “A tecnologia pode trazer redução de custos e velocidade. Em um ou dois anos, talvez já tenhamos um unicórnio na construção civil. É a próxima grande aposta.”

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