Os chineses estão fartos de serem obrigados a trabalhar 12 horas por dia

O Método 996, que obriga funcionários trabalharem das nove da manhã às nove da noite por seis dias na semana, tem levantado polêmica na China

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Por Redação
Atualização:
Homem mais rico da China e fundador da Alibaba, Jack Ma é um dos defensores da jornada extra de trabalho Foto: Denis Balibouse/Reuters

Os mais ricos magnatas donos de empresas de internet na China acham que seus empregados têm de trabalhar mais. Jack Ma, fundador do site de e-commerce Alibaba considera suas longas horas de trabalho “uma grande bênção”. Richard Liu, que comanda o site rival do Alibaba, JD.com, disse que as pessoas que desperdiçam seu tempo “não são meus irmãos”.

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Os trabalhadores rasos no setor de tecnologia na China, desencorajados com um mercado de trabalho debilitado e pessimistas quanto às suas possibilidades de se juntarem à aristocracia digital, pensam de modo diferente. E vêm se organizando online contra o chamado na China de Método 996, ou seja, trabalhar das nove horas da manhã às nove da noite, seis dias por semana.

Há anos os empregados na área de tecnologia trabalham tantas horas por dia que faria os workaholics do Vale do Silício se sentirem paparicados. Mas hoje eles estão nomeando e apontando o dedo para aqueles empregadores que exigem que eles trabalhem até tarde da noite. Alguns programadores estão até ocultando suas criações das companhias que, segundo eles, aplicam com exagero o método 996.

“Há dez anos, as pessoas raramente se queixavam do sistema 996”, disse Li Shun, ex-funcionário da Baidu, que deixou a companhia para criar uma startup na área de medicina online. “Este setor estava explodindo, mas hoje não passa de uma indústria normal. Não há mais retornos financeiros gigantescos. Esperar que as pessoas trabalhem mais de 12 horas por dia por sua própria iniciativa não é realista”.

Inusitadamente no caso da China – onde sindicatos independentes são proibidos e o governo reprime severamente movimentos populistas que não controla – o movimento contra o sistema 996 vem ganhando força.

Jack Ma abrandou suas observações. Uma discussão que se espalhou por todo o setor teve início. Uma carta aberta enviada ao ministério dos Recursos Humanos da China,assinada por 74 advogados de todo o país, exorta o governo a fazer cumprir adequadamente as leis trabalhistas.

Mesmo a mídia estatal tem pedido aos empregadores para abrandarem suas exigências. “Sob a pressão de uma economia em desaceleração, as companhias deparam com perguntas sobre a sua sobrevivência e sua ansiedade é compreensível”, diz um comentário no jornal People’s Day, do Partido Comunista. “Mas a solução não é fazer com que os empregados façam o máximo possível de horas extras”.

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Histórico

Não faz muito tempo o método 996 simbolizava possibilidades para os empreendedores chineses de tecnologia. Seu país tinha um vasto mercado. E cada vez mais, havia talento de engenharia. O ingrediente secreto, que supostamente distinguia as empresas chinesas das do Vale do Silício, era a azáfama do trabalho.

Embora na China seja exigido o pagamento de horas extras, as leis são cumpridas de modo anárquico e o setor de tecnologia normalmente exige que os empregados dediquem seu tempo voluntariamente.

Mas isso é difícil quando o mercado está em baixa. As empresas queridinhas da Internet têm demitido funcionários.O enorme fluxo de investimentos de capital de risco no setor de tecnologia hoje chega a conta-gotas. Empresas gigantes e maduras como Alibaba e Tencent parecem mais monopólios cujo predomínio mundial deixa pouco espaço para as novas que chegam ao mercado.

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“Na China não há muita esperança para novas competidoras”, disse Max Zhou, co-fundador da startup de software MetaApp. Segundo ele, o resultado disto é que empresas menores não podem mais dar a ilusão de grandeza para motivar os empregados a sacrificarem suas vidas pessoais.

Comunidade oline

O debate sobre o 996 começou no mês passado com uma simples postagem no GitHub, comunidade online onde os programadores de todo o mundo compartilham códigos e ferramentas de software. Um usuário anônimo postou, sob o pseudônimo“996ICU”, uma referência ao local para onde as horas excessivas de trabalho levam os engenheiros: a unidade de terapia intensiva (ICU, na sigla em inglês).

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Desde então, o 996.ICU foi curtido mais de 230 mil vezes, indicando o nível de interesse das pessoas. Centenas de funcionários de tecnologia fartos desse método de trabalho contribuíram para o projeto GitHub. Outros se reuniram em aplicativos de mensagens e mídia social, com uma coordenação pouco centralizada.

O governo chinês está sempre temeroso de espaços onde o descontentamento em massa pode fermentar. E barrou o acesso ao Facebook, Twitter e outras plataformas globais. Há alguns anos, também bloqueou por um tempo curto o GitHub,mas os engenheiros protestaram e o site foi desbloqueado. O GitHub é de propriedade da Microsoft e tem uma política de postar qualquer pedido de remoção que é feito por governos.

Medos

Nazi Zhuge, engenheiro de uma startup na província de Hunan, se submeteu ao sistema 996 durante os últimos dois anos. “Meus colegas têm pavor de ir para casa depois do horário de trabalho. Como empregado trainee, não posso ser o primeiro a sair”, disse ele. Agora ele é um participante ativo do projeto GitHub.

Em todos os diferentes grupos a estratégia básica é pressionar, mas não de modo tão duro a ponto de o governo se sentir compelido a reagir.

Isto significa que não há greves e nem são realizadas manifestações. Em um grupo no aplicativo de mensagens Telegram as referências a Marx e Lenin são proibidas. As filosofias de luminares do comunismo quase sempre são contrárias à maneira que a China é governada hoje. Este ano o governo reprimiu movimentos por direitos trabalhistas em Schenzen,grande centro de tecnologia.

Em vez de paralisações de trabalho, os empregados aproveitam a força dos memes, dos stickers e camisetas. Zhuge está reunindo trabalhadores para mandarem pelo correio cópias da lei trabalhista da China para Jack Ma, do Alibaba.

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“Estamos nos manifestando gentilmente,como os programadores tendem a fazer”, disse Suji Yan, fundador de uma startup de Xangai chamada Dimension.

Tradução de Terezinha Martino

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